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Compliance ambiental e regulatório para a atividade econômica brasileira

Publicado em 08/01/2020

A tragédia ocorrida no Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, que provocou a morte de 13 pessoas até agora, mostra que é justamente em momentos de crise que o Compliance das empresas é posto em xeque.

É que, apesar de a empresa mineradora ostentar as licenças ambientais apropriadas e ter elaborado documentos e relatórios de auditoria afirmando que a barragem de rejeitos de Fundão não oferecia risco de rompimento e que o rejeito armazenado seria apenas uma lama inerte, os resultados da tragédia mostraram o contrário. As comunidades existentes a jusante da barragem foram efetivamente soterradas pela enxurrada de lama que sobreveio ao rompimento e os cursos d’água da bacia hidrográfica do Rio Doce e o mar territorial brasileiro foram contaminados com metais pesados, segundo as notícias veiculadas na imprensa, a partir de informações e laudos divulgados pela Defesa Civil de Minas Gerais e pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Baixo Guandu.

Em outras palavras, mesmo tendo apresentado documentos que indicavam o seu Compliance ambiental e regulatório, os fatos ocorridos em seguida colocaram em dúvida a credibilidade da empresa e de suas controladoras. E tão ruim quanto a própria tragédia em si é a dúvida em relação à capacidade da empresa e das instituições públicas de efetivamente resolverem o problema, prevenirem outros eventos catastróficos como este, bem como reparar concretamente os danos que ocorreram. Afinal, não basta o atendimento das obrigações apenas do ponto de vista formal, é preciso que a empresa e as autoridades ajam de forma convincente.

Uma explicação possível para a tragédia é a de que ainda persiste uma certa visão gerencial arcaica em alguns setores da economia brasileira, que encara as obrigações ambientais e regulatórias como meros empecilhos burocráticos aos negócios. E como o não cumprimento de certas regras e formalidades, por vezes, não impede o faturamento da empresa, nem sempre há uma preocupação com o atendimento a todas as exigências legais.

Existe também a crença de que o custo de cumprir standards elevados de gestão de riscos seria proibitivo ou, ainda, que seria mais barato pagar as multas do que fazer os investimentos em segurança e sustentabilidade adequados. Nada mais enganoso. O valor das multas é limitado pela legislação em vigor, é verdade, mas os custos gerados por tragédias socioambientais não se limitam às multas, pois a legislação brasileira impõe aos responsáveis o dever de reparar os danos causados independentemente do pagamento de multas e de outras sanções administrativas.

Vale destacar, sobretudo, que o valor dessas indenizações pode ser muito superior ao ativo da empresa, o que levará à responsabilização civil de seus administradores, acionistas, controladores, financiadores e de outros agentes econômicos que participaram da cadeia logística em questão e que lucraram de alguma forma com essa atividade. Por isso, não se pode mais imaginar que é um bom negócio não ter Compliance ambiental e regulatório.

O episódio da tragédia de Mariana evidencia que a sociedade brasileira precisa de soluções para os problemas causados pelo rompimento da barragem. Tão importante quanto a remediação dos danos causados é a reavaliação do Compliance ambiental e regulatório por parte dos executivos, acionistas e trabalhadores das empresas brasileiras, não só para obter e ostentar as licenças e os documentos exigíveis pelas autoridades competentes, mas também para que possam garantir a continuidade dos empreendimentos e da atividade econômica em geral de forma segura e sustentável.

A propósito, não é nenhuma novidade que a longevidade dos empreendimentos econômicos depende de sua sensibilidade em relação aos eventos que ocorrem no seu entorno e de sua capacidade de adaptação às mudanças ocorridas no ambiente. Enfim, é preciso que as empresas recuperem a credibilidade em seus instrumentos de gestão ambiental e regulatória, de modo que possam operar com mais segurança e sustentabilidade. Afinal, são esses instrumentos que comprovam o compromisso das empresas com certos valores importantes para a sociedade em pleno século XXI e não podem ser desacreditados.

Por isso, a busca por um Compliance ambiental e regulatório realmente efetivo é essencial à continuidade dos negócios. Assim, é preciso que as empresas tomem os diversos cuidados periódicos, dentre os quais: revisar todas as normas às quais estão submetidas, reavaliar os processos produtivos à luz dos novos standards tecnológicos e legais, conferir se todos os atos administrativos e documentos técnicos necessários ao seu funcionamento regular estão atualizados e sendo efetivamente cumpridos, realizar auditorias internas e externas independentes, manter canais de contato republicano e transparente com as autoridades e com as comunidades do seu entorno, identificar claramente os efeitos externos negativos (inclusive potenciais) causados ao ambiente ou às comunidades do entorno e tomar medidas para neutralizá-los e, por fim, exigir em todas as contratações que as partes apresentem comprovantes confiáveis de seu Compliance ambiental e regulatório, uma vez que a responsabilidade também alcança, em tese, aqueles que indiretamente contribuem para a degradação socioambiental causada por terceiro contratado.

Todas essas medidas têm como efeito prático a mitigação da exposição aos riscos. E, mesmo que ocorra uma situação de crise, uma vez que não existe risco zero, é certo que a empresa que mantém uma política séria em relação às suas obrigações ambientais e regulatórias terá melhores condições para enfrentar o problema. Afinal, conseguirá comprovar objetivamente a sua boa-fé e, assim, terá condições de manter ou de recuperar rapidamente a sua credibilidade perante a sociedade. Além disso, tendo adotado medidas efetivas para a mitigação dos riscos, certamente suportará custos menores no momento da remediação dos problemas que causar.

Por fim, fica registrado o alerta, mas também fica a esperança de que a tragédia de Mariana tenha ensinado lições importantes para o empresariado brasileiro.

 

**Rafael Ferreira Filippin é advogado, Especialista em Gestão de Recursos Hídricos pela UFPR, Mestre em Direito Ambiental pela UFSC, Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, ex-conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente e do Conselho Estadual dos Recursos Hídricos,  e professor de Direito Ambiental em instituições de ensino do Paraná e de Santa Catarina. É Sócio e Coordenador do Departamento Ambiental e Regulatório da Andersen Ballão Advocacia desde 2012.

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