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Marco Civil da Internet. Um ano após a aprovação

Publicado em 08/01/2020

Em 2014, o Brasil chamou a atenção global como o primeiro país a aprovar uma legislação específica com os direitos e os deveres dos usuários da Internet (apelidada por alguns de “Ciberconstituição” ou “Constituição da Internet”). O chamado “Marco Civil da Internet” (Lei n. 12.965/2014) completou em 23 de abril de 2015 o seu primeiro ano de existência. Seria, todavia, um erro supor que o debate sobre a regulamentação da “web” teria seu fim com a entrada em vigor da lei. Também seria equivocado sustentar que a neutralidade da rede seria o seu ponto essencial, só porque muito discutido antes e durante a votação do Marco Civil.

Do ponto de vista institucional, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça abriu prazo até o dia 31 de maio para o recebimento de sugestões – por qualquer pessoa física, instituição, empresa ou órgão governamental – sobre o texto do decreto que vai regulamentar o Marco Civil da Internet, dividindo os temas de debate público em quatro eixos: “Neutralidade”, “Privacidade na Rede”, “Guarda de Registros” e “Outros Temas e Considerações”. Tal regulamentação é necessária para o funcionamento e esclarecimento das regras contidas no Marco Civil, tais como as exceções à neutralidade de rede, os procedimentos de segurança que as empresas devem adotar para tratamento dos dados dos usuários, a manutenção de registros de conexão e os registros de acesso a aplicações.

Contudo, a atenção dada ao tema não se dá exclusivamente no que se refere à regulamentação da lei, mas ocorre também quanto aos efeitos do Marco Civil na prática dos tribunais brasileiros.

Conforme levantamento do site internetlegal.com.br, dentre os julgados divulgados até o fim de 2014 envolvendo o tema, em 40% deles citou-se o artigo 19 e seus parágrafos, correspondentes à responsabilidade do provedor de aplicações por danos decorrentes de conteúdo gerados por terceiros. Em 25% dos casos, outros artigos serviram como fundamentação da decisão e, nos 35% restantes, apenas citou-se o “Marco Civil”, mas sem enfrentamento dos dispositivos legais.

Esse resultado não surpreende, uma vez que o artigo 19 refere-se sem dúvida a um dos temas mais polêmicos e discutidos no debate que levou a criação do atual Marco Civil da Internet, prova de que o Legislador já previa a relevância desse assunto.

Longe de ser apenas uma questão teórica, o conteúdo do artigo 19 deriva de clara opção legislativa: caso o provedor respondesse independentemente de culpa pelos danos causados aos demais usuários, devendo, portanto, tomar sérias medidas de prevenção, o resultado seria o possível abandono de mercado por parte de provedores menores e com recursos econômico-financeiros limitados. Por outro lado, a solução oposta, referente à responsabilização absoluta do autor de uma publicação ofensiva, com a total isenção de responsabilidade do provedor, redundaria na necessidade de um monitoramento global dos usuários, de feitio orwelliano (do Grande Irmão, que tudo vê).

Contrariamente a estas soluções extremas, o modelo adotado pelo Marco Civil da Internet tem por objetivo distribuir adequadamente as responsabilidades entre todos os participantes do mundo virtual, resultando na atual redação do artigo 19: “com intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. Assim, somente são civilmente responsabilizados os provedores de aplicações por conteúdos gerados por terceiros (como postagens, vídeos etc.) quando, após ordem judicial específica, não retiram o conteúdo ofensivo. Exceção a essa regra existe apenas nos casos de infrações a direitos autorais e conexos (artigo 19, parágrafo segundo) e quanto a conteúdo de caráter sexual privado (artigo 21) – casos esses a serem ainda regulamentados.

De fato, a elaboração e aprovação, do Marco Civil da Internet foi um grande passo, mas, ao mesmo tempo que encerrou um debate e supriu uma necessidade legal antiga, é o ponto de partida para novos debates (talvez mais específicos e menos urgentes) e novas demandas. Os próximos passos serão, possivelmente, em direção à regulamentação mencionada acima e à consolidação da jurisprudência, de modo a criar segurança jurídica e harmonizar o tema, na medida do possível.

** Camila Camargo é advogada, Bacharel em Direito pela Universidade Positivo. Também é pós-graduada em Direito, Logística e Negócios Internacionais pela PUC/PR e Mestre em Direito (LL.M. em Direito da Propriedade Intelectual) pela Universidade de Torino / Academia da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Ela é integrante do Departamento Societário do escritório Andersen Ballão Advocacia desde 2013.

** Marco Zorzi é advogado, Bacharel em Direito pela Università Commerciale Luigi Bocconi, de Milão. É pós-graduado em Direito italiano e europeu pela Scuola di Specializzacione per le Professioni Legali. Ele atua no Departamento Societário do escritório Andersen Ballão Advocacia como advogado visitante desde 2014.

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