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Teoria do Conglobamento e o princípio da condição mais benéfica

Publicado em 08/01/2020

As relações de trabalho são marcadas pela desigualdade entre partes (empregador e empregado), o que gera a necessidade de estabelecimento de uma legislação protetiva, materializada principalmente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mas a garantia ao trabalhador não se limita à existência de normas de natureza protetiva. Essas normas devem também ser interpretadas protetivamente. Isso significa que, sempre que houver dúvida quanto à aplicação de uma norma trabalhista, a interpretação mais favorável ao empregado deverá prevalecer.

Note-se que, além da CLT, outras leis específicas e também as negociações coletivas regem as relações entre empregadores e empregados. Neste aspecto, importante destacar que a legislação brasileira permite a formalização de dois tipos de negociações entre empregados e empregadores: a Convenção Coletiva de Trabalho (resultado da negociação entre o sindicato dos empregados e o sindicado patronal) e o Acordo Coletivo de Trabalho (que decorre de negociação entre o sindicato dos empregados e uma determinada empresa, atingindo apenas os empregados da empresa envolvida).

Por vezes, essas diversas fontes de regulamentação das relações de trabalho (lei, convenções e acordos coletivos) podem estabelecer normas distintas e conflitantes, ou seja, a existência de mais de um instrumento normativo aplicável ao mesmo grupo de trabalhadores (existência simultânea de convenção coletiva e acordo coletivo) pode resultar em conflitos de normas, diante da possibilidade de pretensão de aplicação do que haja de melhor em cada instrumento.

Há duas formas de se descobrir qual deve ser a regra aplicada em caso de existência de mais de uma fonte de regulamentação. A primeira é a aplicação irrestrita do princípio protetivo, através do qual a norma mais benéfica ao trabalhador sempre deve prevalecer. Assim, os trechos mais benéficos ao empregado em cada norma são selecionados e agrupados, para formar uma nova fonte normativa.

A segunda forma de se determinar qual a regra a ser aplicada é estabelecida pelo que se conhece como teoria do conglobamento. A teoria estabelece que não é possível simplesmente eleger as normas mais benéficas de cada fonte de regulamentação mas, sim, aplicar-se o instrumento normativo coletivo mais benéfico como um todo, sem fracionamentos.

Tem-se assim, que a preponderância da teoria do conglobamento liga-se ao princípio da autodeterminação coletiva, que justifica a negociação em detrimento de alguns direitos laborais com a intenção de obter vantagens em outros; tudo em prol da coletividade dos trabalhadores.

Neste sentido é que há um movimento empresarial voltado à pressão por maior respeito às negociações coletivas, ao que for efetivamente acordado entre empresas e seus empregados devidamente representados pelas suas entidades sindicais. Não se trata de flexibilizar direitos, mas de conferir maior segurança jurídica às relações coletivas de trabalho, reconhecendo a capacidade e soberania da vontade livre e consciente das entidades sindicais representativas das categorias profissionais dos trabalhadores.

Interpretar de forma diversa o que foi livremente pactuado pelas partes (especialmente considerando que os trabalhadores foram devidamente representados pelo sindicato profissional) ou ignorar o que foi assim estipulado, além de implicar em violência à vontade livre e consciente das partes seria mesmo uma negação das prerrogativas sindicais consubstanciadas nos incisos III e VI, do art. 8º da Constituição Federal.

Somente com o reconhecimento da plena liberdade sindical e da capacidade das entidades sindicais em efetivamente representar os legítimos interesses dos trabalhadores conseguiremos romper com a cultura de insegurança jurídica acerca de quais os direitos trabalhistas específicos são próprios de cada categoria profissional.

 

** Sabrina Mendes de Faria Coutinho é advogada, pós-graduada em Direito Constitucional na Fundação Escola do Ministério Público e integra o Departamento Trabalhista do escritório Andersen Ballão Advocacia desde 2015.

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