Home office e o direito de desconexão - Andersen Ballão Advocacia

Artigos e Publicações

Ana Claudia Cericatto

Home office e o direito de desconexão

Publicado em 03/11/2020

Autor:

Ana Claudia Cericatto |

A rotina frenética de trabalho de muitas corporações tem aplaudido a evolução tecnológica que estamos vivenciando. As mudanças constantes na forma como o trabalho é desenvolvido e as alterações legislativas
sobre o tema nos impulsionam a uma nova experiência jurídica trabalhista.

A disseminação da pandemia da covid-19 acelerou ainda mais essas mudanças. As normas referentes ao teletrabalho, que foram incluídas com a reforma de 2017, foram flexibilizadas com a MP 927/2020 a fim de facilitar a adoção do regime e fomentar o necessário isolamento social.

O regime, que seria uma exceção, hoje está sendo vislumbrado como uma nova realidade e muitas corporações já se posicionaram no sentido de que passarão a adotá-lo amplamente. Ocorre que os dispositivos legais que regulamentam o regime de teletrabalho também excluem dele as disposições sobre jornada, por entender que, na essência, os institutos são incompatíveis.

A lei definiu que, no teletrabalho, o empregado tem a condição de gerir livremente seu tempo e, por esta razão, o controle de jornada não seria efetivo, isto é, o empregador não tem como ‘fiscalizar’ a rotina. Mas, muitas vezes, a liberdade e a autonomia acabam sendo traduzidas em disponibilidade total, ainda mais se associadas aos avanços tecnológicos atuais.

Por haver autonomia e flexibilidade de horários pelo empregado e por existir impossibilidade e desnecessidade de fiscalização da jornada de trabalho, o teletrabalhador muitas vezes acaba tendo os seus direitos tolhidos, pois mesmo após ‘DESLIGAR’ o computador, este permanece disponível por meio dos diversos aplicativos de comunicação disponíveis.

Quem, nos dias de hoje, pode afirmar, sem sombra de dúvidas, que nunca respondeu aquele e-mail do chefe enviado já tarde da noite? Este fato conduz a uma imensa confusão entre o mundo do trabalho e o mundo particular, podendo assim surgir o necessário direito/dever à desconexão.

O direito à desconexão surge atrelado intimamente ao avanço tecnológico e encontra amparo em prerrogativas constitucionais, na interpretação conjunta de conceitos e princípios (dignidade da pessoa humana, eliminação de trabalho forçado, obrigatório, indigno) sendo judicializado no pedido de indenização por dano existencial. A ausência da desconexão compromete a integridade física e mental do empregado, inviabiliza projetos, tolhe hábitos de vida saudáveis e limita o convívio social.

Não estamos aqui tratando da extrapolação da jornada diária ou semanal, mas daquela rotina de trabalho que restringe as atividades que compõem a vida privada, que causa efetivo prejuízo e compromete a realização de um projeto, que está adoecendo de tanto trabalhar muitos empregados que se autodenominam workaholic.

O equilíbrio entre tempo de trabalho e tempo de não trabalho é crucial para a análise de uma vida saudável e para a comprovação da efetiva fruição do tempo de desconexão. Em 2016, a França aprovou a Lei da Desconexão. A legislação italiana, inspirada na iniciativa francesa, seguiu o mesmo exemplo, introduzindo formas de regular os períodos de descanso, as medidas organizacionais para garantir a desconexão e orientando os empregados a não responderem seus superiores depois do horário normal de trabalho. No Brasil, alguns projetos estão sendo apresentados, mas sem aprovação por enquanto.

O avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem auxiliar na melhoria das relações de trabalho, trazer maior efetividade, mas não escravizar o trabalhador. Assim, orienta-se as empresas a adotarem medidas que busquem preservar o direito à desconexão, preservando desta forma a saúde, higidez física e psíquica do empregado e garantindo meios de defesa, para que sejam evitados abusos em caso de judicialização.

Ana Cláudia Cericatto é advogada do Departamento Trabalhista da Andersen Ballão Advocacia.

Artigos Relacionados

Seguro Garantia Judicial na Justiça do Trabalho apresenta…

O Seguro Garantia Judicial é uma modalidade de seguro usada para substituir depósitos judiciais, cauções ou penhoras de bens exigidos em processos judiciais  trabalhistas. Em…

Leia mais

BOMBNEWS – As câmeras flagraram! E, agora, o…

*Daniele Cristine de Oliveira Coutinho Slivinski   Recentemente, as câmeras do show de uma banda britânica, nos Estados Unidos, flagraram um casal que estava vivendo…

Leia mais

Nova obrigação legal de promoção da saúde mental…

*Nicole de Oliveira de Toledo   A partir de maio de 2025, as empresas brasileiras passaram a ter uma obrigação legal expressa de implementar medidas…

Leia mais