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Ana Clara Franke Rodrigues

Origem e inconstitucionalidade da exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS

Publicado em 06/07/2023

Autor:

Ana Clara Franke Rodrigues |

O STF entendeu que o ICMS representa uma receita transitória nas empresas e a parcela do ICMS não está sujeita à incidência do PIS e da COFINS.

Em março de 2017, o STF julgou a chamada “tese do século” (RE n.º 574.706 – Tema 69), concluindo pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. Em resumo, a Corte entendeu que o ICMS representa uma receita transitória nas empresas, repassada aos estados no final. Portanto, a parcela do ICMS destacada nas notas não pode ser considerada faturamento ou receita bruta e, portanto, não está sujeita à incidência do PIS e da COFINS. Em outras palavras, ficou definido que o ICMS é receita do estado e não dos contribuintes.

O acórdão foi publicado apenas em outubro de 2017, tendo sido interpostos Embargos de Declaração pela Fazenda Nacional, que solicitou que o ICMS excluído das bases do PIS/COFINS fosse o efetivamente recolhido na operação e que os efeitos do acórdão fossem modulados.

Esses pontos foram esclarecidos somente em maio de 2021, quando o Supremo definiu que o ICMS destacado na nota fiscal de venda deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, porém, decidindo que os efeitos do julgamento seriam aplicados a partir de 15 de março de 2017, exceto para ações judiciais ajuizadas até essa data.

Em julho de 2021, a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio do Parecer COSIT n.º 10, adotou o entendimento do STF quanto à apuração dos débitos de PIS/COFINS. No entanto, a partir dessa premissa, a RFB tentou restringir o direito dos contribuintes quanto ao creditamento, ao estabelecer que o valor do ICMS destacado nas notas fiscais de aquisição de insumos deveria ser excluído da base de cálculo na apuração dos créditos de PIS e COFINS, argumentando que ele não compõe o preço da mercadoria.

Posteriormente, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ao ser consultada sobre esse entendimento, emitiu um parecer favorável aos contribuintes, no qual afirmou que o ICMS destacado nas compras de insumos integra a base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS (Parecer SEI n.º 14.483 de 28.09.2021).

Em dezembro de 2022, foi emitida a Instrução Normativa RFB n.º 2.121, consolidando as normas sobre a apuração, cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do PIS, COFINS, PIS-Importação e COFINS-Importação. Essa nova regulamentação, alinhada ao entendimento da PGFN, reforçou a possibilidade de manutenção do ICMS na base de cálculo dos créditos das contribuições.

No entanto, a nova discussão, agora sobre a inclusão ou exclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS não se encerrou aí.

Entre as medidas tomadas pelo Governo Federal no início do ano, visando aumentar a arrecadação, estava a Medida Provisória (MP) n.º 1.159/2023. Além de incorporar o entendimento do STF sobre o Tema 69, a MP também alterou o artigo 3º das Leis n.º 10.637/02 e n.º 10.833/03 para estabelecer que o ICMS incidente na aquisição não dá direito a crédito de PIS e COFINS. Devido à anterioridade nonagesimal, essa alteração passou a vigorar a partir de 1º de maio de 2023.

É importante destacar que a medida provisória é uma norma com força de lei, editada pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Embora tenha efeitos imediatos (vigência inicial de 60 dias, prorrogáveis por igual período), ela precisa ser apreciada pela Câmara e pelo Senado para se tornar definitivamente uma lei ordinária.

Nesse caso, possivelmente, devido à falta de tempo hábil para a conversão da MP n.º 1.159/2023 em lei pelo Congresso Nacional, a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS acabou sendo incluída na Lei n.º 14.592, que resultou da apreciação de outra medida provisória com um tema completamente diferente, a MP n.º 1.147, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), editada na origem com o objetivo de desonerar a carga tributária do turismo.

Primeiramente, o fato de essa norma não decorrer da conversão da MP n.º 1.159 em lei, mas sim da inclusão do mesmo texto nessa outra MP quando de sua conversão em lei, ainda pode gerar discussões judiciais sobre sua aplicabilidade.

Além disso, está ganhando cada vez mais força a discussão sobre a incompatibilidade da exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos devido à sistemática de não cumulatividade das contribuições de PIS e COFINS.

Isso ocorre porque a não cumulatividade do ICMS é obrigatória, tem base constitucional e refere-se ao que foi pago na operação anterior. Já a não cumulatividade do PIS e da COFINS tem origem em lei ordinária e refere-se ao valor do bem ou serviço adquirido para aplicação na operação da empresa. Portanto, a determinação de exclusão do ICMS nessas operações viola a não cumulatividade, tornando-a inconstitucional.

Por outro lado, é certo que, ao contrário do que afirma o Governo Federal, o critério de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, definido pelo STF no Tema 69, não pode ser aplicado à exclusão do ICMS na apuração dos créditos dessas contribuições.

É importante notar que a base de cálculo dos créditos – o valor de aquisição – não é a mesma base de cálculo usada para apurar o PIS e a COFINS – o faturamento ou a receita bruta. São situações completamente diferentes, o que justifica a inclusão do ICMS no primeiro caso.

Portanto, se o cálculo dos créditos deve ser realizado com base no valor do bem e o valor do bem inclui o ICMS, é evidente que ele não pode ser excluído da base de cálculo das contribuições sociais.

Por fim, é importante destacar que outras inconstitucionalidades podem ser identificadas na Lei n.º 14.592/2023, como a violação do princípio da isonomia e da própria anterioridade nonagesimal, além das falhas no processo legislativo mencionadas anteriormente.

Acredita-se que a discussão judicial sobre o tema poderá ganhar espaço nos Tribunais, pelo valor significativo de PIS e COFINS que as empresas podem deixar de se creditar. Nesse cenário, a Andersen Ballão Advocacia poderá avaliar a conveniência de adotar medidas específicas para proteger os direitos dos contribuintes nos casos concretos.

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