ECA Digital apresenta nova era de corresponsabilidade na proteção de crianças e adolescentes
Publicado em 09/12/2025
Integração entre empresas, famílias, escolas e instituições públicas será central para garantir segurança e bem-estar no ambiente on-line
A sanção da Lei nº 15.211/2025, conhecida como Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital), representa um divisor de águas na consolidação dos direitos infantojuvenis no Brasil. Em um cenário em que a vida social, educacional e de consumo de crianças e adolescentes se entrelaça com o universo digital, a nova norma estabelece parâmetros inéditos de proteção, corresponsabilidade e prevenção de riscos, exigindo ação coordenada entre empresas, famílias, escolas, o Judiciário, o Conselho Tutelar e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
O debate que resultou na aprovação do ECA Digital alcançou seu auge público com o vídeo do influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, publicado em agosto de 2025, que viralizou nacionalmente ao documentar casos de exploração e sexualização de crianças em redes sociais. A repercussão imediata, com dezenas de milhões de visualizações e ampla mobilização social, acelerou a tramitação de propostas no Congresso e foi o catalisador para a sanção do Estatuto Digital.
Para Marcella Souza, advogada especialista em Assuntos Culturais e Terceiro Setor da Andersen Ballão Advocacia, o ECA Digital é um avanço importante para a realidade em que crianças e adolescentes estão inseridos, chamando a sociedade a agir preventivamente em benefício da infância. “Ao reconhecer que o ambiente digital é uma extensão do espaço social e formativo, o legislador reafirma o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Mas, sobretudo, aponta para uma nova ética da responsabilidade compartilhada, na qual o poder público, as famílias, as instituições de ensino e o setor privado devem atuar de forma articulada e preventiva”, explica a advogada.
E sobre o que tratam as novas regras?
Em síntese, a lei se aplica a qualquer produto ou serviço de tecnologia destinado ou com acesso provável a crianças e adolescentes e estabelece princípios como proteção integral, prioridade absoluta, segurança contra exploração, promoção da cidadania digital e transparência no uso de dados. Além disso, determina que os fornecedores adotem medidas de prevenção, proteção, informação e segurança, sempre pautadas pelo melhor interesse da criança.
Produtos ou serviços que facilitem o acesso de menores a conteúdos impróprios, como pornografia, jogos de azar, bebidas alcoólicas, tabaco ou conteúdos que promovam bullying, autolesão ou suicídio, passam a ser proibidos. A norma também exige verificação de idade confiável, já que a simples autodeclaração deixa de ser suficiente em determinados contextos, e atribui à ANPD a responsabilidade por zelar pelo cumprimento das obrigações de segurança e proteção no ambiente digital.
Regras para empresas e plataformas digitais
O ECA Digital amplia as garantias do Estatuto de 1990 para o contexto on-line, estabelecendo regras rigorosas para empresas de tecnologia, inclusive as sediadas no exterior. Os produtos e serviços voltados ou de provável acesso a menores deverão ser concebidos com privacidade desde a concepção (privacy by design), adotando por padrão as configurações mais protetivas. As plataformas passam a ter deveres de monitoramento, transparência e comunicação obrigatória de conteúdos abusivos às autoridades.
Entre as inovações estão a proibição de publicidade direcionada a menores, o bloqueio de conteúdos pornográficos e violentos, a exigência de métodos confiáveis de verificação de idade, a eliminação das loot boxes em jogos eletrônicos (caixas de recompensas que funcionam como itens virtuais com prêmios aleatórios mediante pagamento antecipado) e a obrigatoriedade de ferramentas eficazes de supervisão parental. Além disso, contas de usuários de até 16 anos deverão ser vinculadas a um responsável legal.
“Essas mudanças transformam o modo como empresas de tecnologia, desenvolvedores e plataformas digitais operam e abrem espaço para uma atuação socialmente comprometida do setor privado, que passa a integrar a rede de proteção infantojuvenil como agente corresponsável”, observa Marcella Souza.
Perigos da inteligência artificial (IA) e exposição de imagens
O avanço da inteligência artificial intensificou os riscos já existentes relacionados à exposição de imagens de crianças nas redes sociais. Plataformas que funcionam como álbuns de família podem se tornar fontes involuntárias para manipulação, reprodução e uso indevido dessas imagens, inclusive em treinamentos de modelos de IA. A capacidade de geração e alteração de imagens, como deepfakes, amplia o potencial de danos, permitindo que fotografias sejam sexualizadas, remixadas ou vinculadas a narrativas falsas, causando prejuízos psicológicos, sociais e jurídicos.
Nesse sentido, a legislação enfrenta não apenas a circulação tradicional de conteúdos, mas um ecossistema de riscos profundamente transformado pela automação e pelos sistemas algorítmicos. A legislação convoca as empresas a adotarem um papel ativo de cuidado, indo além do cumprimento legal e contribuindo para a criação de um ambiente mais seguro. Também reforça o papel pedagógico das escolas na promoção da cidadania digital, amplia a atuação do Conselho Tutelar e aprimora os mecanismos de apuração e prevenção de novas formas de violação de direitos.
A ANPD, formalmente reconhecida como autoridade autônoma, será responsável por regulamentar e fiscalizar as obrigações previstas, podendo aplicar sanções severas, incluindo multas de até R$ 50 milhões por infração. “Trata-se de um marco que coloca o Brasil em sintonia com as melhores práticas internacionais de governança digital, inspiradas em modelos europeus e norte-americanos. Mas, mais do que uma resposta jurídica, o ECA Digital é um chamado ético à cooperação intersetorial. Proteger a infância no ambiente digital é proteger o próprio tecido social”, ressalta Marcella.
Desafios para transformar a norma em proteção efetiva
Apesar de sua robustez, a aplicação prática da norma enfrenta desafios relevantes. A efetividade depende de uma fiscalização ostensiva acompanhada de sanções exemplares; de uma atuação articulada do Ministério Público e do Judiciário, que precisam de protocolos nacionais e de prioridade na tramitação de casos; da estruturação adequada da ANPD, com orçamento, equipe técnica e capacidade de fiscalização; e de respostas sólidas para situações em que os próprios responsáveis exploram seus filhos, já que o consentimento parental não deve legitimar práticas abusivas.
Além disso, a prevenção exige educação digital integrada aos currículos escolares, capacitação de profissionais e campanhas contínuas de conscientização. Com entrada em vigor prevista para março de 2026, o ECA Digital impõe às empresas um período de adaptação desafiador. A Andersen Ballão Advocacia acompanha de perto as etapas de regulamentação e os desdobramentos que envolverão tanto o setor privado quanto os agentes públicos. A partir de uma visão integrada, o novo paradigma avança amplamente para a proteção dos menores, desde que acompanhado de fiscalização, recursos e vontade política, além da atuação das empresas e famílias.
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