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Tire suas dúvidas sobre o mercado de carbono no Brasil

Publicado em 03/05/2024

O uso estratégico do mercado de carbono desponta como uma peça fundamental para o Brasil. Com todo o seu patrimônio ambiental e imensidão territorial, o país possui grande potencial para explorar as oportunidades que se desenvolvem em todo o mundo. Esse mercado está ganhando cada vez mais relevância, possibilitando um cenário extremamente favorável para o país ampliar a sua ambição climática com suas metas de crescimento socioeconômico. Está em debate no Senado o Projeto de Lei n.º 2.148/2015, que busca regulamentar o mercado de carbono no Brasil.

O PL estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que funcionará com base no sistema internacionalmente conhecido cap-and-trade, em que é imposto um limite máximo de emissões e é possível comercializar direitos de emissão, internacionalmente conhecidos como allowances e definidos como Cotas Brasileiras de Emissões (CBE) no projeto de lei.

A advogada Nailia Aguado Ribeiro Franco, do Departamento Corporativo Societário da ABA, respondeu a algumas dúvidas básicas que vão ajudar você empresário a entender um pouco mais sobre esse mercado para poder, eventualmente, investir nesse setor.

1 – O que é o mercado de carbono? Qual a sua importância no mundo atual?

O mercado de carbono é um sistema que permite empresas compensarem suas emissões de carbono – ou equivalentes a gás de efeito estufa (GEE)-, por meio da compra e venda de títulos de créditos de carbono de empresas que reduziram suas emissões de GEE, por empresas emissoras que não atingiram suas metas. Esse mercado será uma excelente ferramenta para auxiliar na redução da emissão de gases prejudiciais ao nosso planeta, frente a tantas evidências da crise climática – diversos desastres naturais ocorrendo ao redor do mundo como secas, enchentes, deslizamentos, sintomas claros do aquecimento global.

O mercado também deve incentivar a produção de energia renovável em diversos setores, gerando emprego e desenvolvimento de novas tecnologias, além de garantir que o mundo alcance os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris (2015) e no Protocolo de Kyoto (1997). Incluindo a meta de manter o aumento da temperatura média global em bem menos de 2 °C acima dos níveis pré-industriais e limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.

 

2 – Podemos falar sobre como funciona o mercado de carbono no mundo? Qual a sua forma de precificação pelo Estado? Qual o modelo de precificação mais reproduzido mundialmente?

Existem dois tipos de mercados: voluntário e regulamentado. O mercado voluntário observa o artigo 6º do Acordo de Paris e o Livro de Regras Gerais para o artigo 6º do Acordo, que determina que as Partes poderão cooperar de forma voluntária na implementação de suas contribuições nacionalmente determinadas – objetivos declarados individualmente por cada país – e determina a operacionalização do mercado voluntário, respectivamente. O Brasil, ao ratificar o Acordo em 2016, comprometeu-se a reduzir emissões até 2025 e, na COP 26, atualizou a meta de reduzir a emissão dos GEE em 50% até 2030. Ainda, o mercado voluntário é mais amplo e permite que não apenas empresas, mas também pessoas jurídicas e físicas, ONGs, governos e toda e qualquer instituição que assuma a responsabilidade como entidade poluidora de compensar as suas próprias emissões, comprem créditos de carbono de projetos de terceiros que resultem na redução efetiva das emissões ou captura de carbono no mundo.

Por sua vez, o mercado regulado possui regras mais rígidas que devem ser cumpridas, a depender da legislação e regulamentação específica de cada Estado, e não é facultativo. Considerando que o mercado de carbono nada mais é que a transformação do carbono em uma moeda de troca, existem duas formas de precificar o CO²: carbon tax e o cap and trade. O primeiro caso é a criação de um tributo sobre a emissão de GEE. No segundo, o Estado define a quantidade máxima que um agente poderá emitir de carbono, sendo emitidas permissões ou títulos de emissão equivalentes ao montante permitido. Ao final do ano, com base em relatórios elaborados por cada agente, caso o agente tenha emitido mais ou menos carbono, poderá comprar ou vender as permissões recebidas.

O modelo cap and trade é o modelo utilizado no mercado europeu, assim como em países como Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Nova Gales do Sul. Para saber o quanto uma empresa emite de GEE, existem calculadoras online que podem auxiliar, como a Calculadora 2030 (iniciativa da ONU com a sueca Doconomy – que você pode acessar aqui). Porém, no caso de cálculos complexos, é possível a contratação de empresas especializadas.

 

3 – Qual a situação da regulamentação do mercado de carbono no Brasil atualmente?

 

Atualmente, o Projeto de Lei n. 2.148/2015 que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 21/12/2023 e foi remetido ao Senado Federal, aguardando aprovação. De qualquer forma, vale salientar que está em vigor desde 2009 a Lei n. 12.187 que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e estabelece seus princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos. Tal lei determina que o governo deve editar uma norma visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, além de prever a possibilidade de medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das emissões e remoção de GEE, incluindo alíquotas diferenciadas, isenções, compensações e incentivos, a serem estabelecidos em lei específica como instrumento da PNMC. Nesse mesmo contexto, em 2023 foi publicado o Decreto 11.550/23 que cria o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) de caráter permanente e revogou o Decreto 11.075/22 que estabelecia os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Decreto que foi muito criticado.

 

4 – Por que a urgência em regulamentar o mercado de carbono no país e quais possíveis impactos para a economia brasileira (governo, empresas, agronegócios e startups)?

 

Como mencionado acima, este não é um tema novo para o Brasil. Desde 2002, o Brasil é signatário do Protocolo de Quioto e desde 2016 do Acordo de Paris. Além disso, o mercado voluntário de carbono já é uma realidade no Brasil e no mundo. Com base no projeto do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM) intitulado “Projetos de Carbono Florestal no Brasil: análise e propostas sob a perspectiva de territórios locais”, atualizado em 20/03/2024, existem hoje no Brasil 139 projetos cadastrados na base da Verra Registry espalhados por quase todos os estados brasileiros.

Apesar de ser um tema caro ao Brasil, a criação de um mercado de carbono saiu efetivamente do papel recentemente, com a aprovação do PL n.2.148/2015. De qualquer forma, o tema se torna urgente de um ponto de vista social, considerando as grandes devastações causadas pela crise climática global, além de poder beneficiar comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas (desde que tenham terras demarcadas/tituladas pelo poder público) e auxiliar no desmatamento de florestas brasileiras, uma vez que é muito mais viável emitir um título de crédito de carbono, do que desmatar. É também um tema relevante economicamente para o Brasil, considerando o vasto território e biodiversidade em todo o território nacional, além de termos uma indústria mais verde e competitiva, gerando empregos e renda à população brasileira, incluindo povos originários detentores de terras.

Para ser possível a visualização do potencial de tal mercado, destaca-se que os números são expressivos: só em 2022, os mercados globais que negociam as permissões de GEE crescerão 164%, atingindo o recorde de EUR 760 bilhões (US$ 851 bilhões), segundo a Refinitiv Financial Solutions. Evidentemente a regulamentação e obrigatoriedade em participação em tal mercado gerará um encargo às empresas, porém o Brasil tem muitas condições de se tornar um player global em soluções climáticas, permitindo cada vez mais a exportação de créditos de carbono e energia verde, além de soluções inteligentes para a diminuição da temperatura global e um aumento no investimento estrangeiro no Brasil.

Por fim, a regulamentação do mercado de carbono estimula a inovação, competitividade e não provoca o aumento da carga tributária, apesar do aumento inicial de encargos que os agentes deverão ter para cumprir essa nova exigência. Exigência essa que não é do Poder Público, e de toda a sociedade.

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