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A reforma trabalhista e as contribuições previdenciárias

Publicado em 08/01/2020

Em alguns dias entrará em vigor a “reforma trabalhista” (Lei 13.467/2017), que alterou profundamente a CLT e normas esparsas relacionadas, como a Lei 8.212/1991. Há novidades que têm reflexos tributários, pois aspectos das hipóteses de incidência das contribuições previdenciárias sobre verbas usualmente pagas foram modificados.

As rubricas que merecem atenção são: a ajuda de custo, as diárias para viagem, os prêmios e os abonos. A habitualidade, antes premissa suficiente para a caracterização da natureza salarial, foi expressamente afastada. Valores pagos com estas naturezas não serão mais incorporados aos salários, para efeitos trabalhistas (reflexos), tampouco ao salário de contribuição, para efeitos previdenciários (contribuições), ainda que pagos habitualmente.

Contudo, essas importantíssimas modificações não implicam autorização para a utilização indiscriminada destes “títulos”, com o objetivo de evitar as contribuições previdenciárias. Todos os aspectos jurídicos definidores de cada verba devem estar presentes, do contrário, os pagamentos poderão ser integrados aos salários para efeitos trabalhistas e previdenciários.

Tal qual antes da reforma, o pagamento da ajuda de custo permanece exigindo a correlação com as despesas suportadas, devendo ser possível demonstrar a adequação econômica dos valores.

Um bom exemplo é o custeio da moradia no Brasil de colaboradores expatriados. Com a mudança legislativa, o risco da integração dos pagamentos a título de house allowance (aluguel; reembolso de aluguel; hotel) aos salários pela falta de previsão contratual de termo para a extinção do benefício fica bastante reduzido. Entretanto, se a importância mensal da ajuda for evidentemente superior ao que seria gasto, considerando a situação concreta (cidade, localização da empresa, tipo de imóvel etc), há grandes chances da desconsideração da ajuda de custo e de que em eventuais discussões trabalhistas e/ou fiscal a natureza salarial seja reconhecida, com a consequente exigência das contribuições previdenciárias.

As mesmas ressalvas quanto à pertinência entre pagamentos e despesas aplicam-se às diárias de viagem. Por mais que o limite para o pagamento das diárias em até 50% do total do salário tenha sido revogado, seguramente o empregador não poderá utilizar essa rubrica em substituição à remuneração do próprio trabalho, o que poderá ser evidenciado, por exemplo, no caso de o valor ser flagrantemente superior ao custo diário razoavelmente estimado das viagens realizadas.

As maiores discussões, todavia, envolverão os prêmios e abonos. Estas verbas não são definidas pela legislação de modo preciso e acabam sendo adotadas com excessiva liberalidade, muitas vezes em situações claramente contrárias à melhor interpretação das novas normas.

Com efeito, a CLT define os prêmios como os pagamentos “por liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.” (art. 457, §4º).

A confirmação da natureza não salarial e, portanto, da não incidência das contribuições previdenciárias depende do conceito de “desempenho extraordinário”, parecendo evidente que o pagamento não pode decorrer de objetivos que usualmente seriam atingidos por trabalhadores em situações normais e equivalentes ao do colaborador premiado. Deve ser possível demonstrar quais são os resultados esperados do homem médio e quais os índices que caracterizam a superação desses níveis e, essencialmente, o efetivo atingimento destes patamares pelo trabalhador. Uma boa política interna de premiação, divulgada com antecedência, devidamente aferida e registrada pode ser um bom começo.

E, por fim, em relação aos abonos, não há definição legal expressa, o que dificulta ainda mais uma análise conclusiva. Porém, a partir de outras fontes do direito, em especial a jurisprudência e os costumes, é possível conceituar o abono como importância paga em compensação à supressão de direito garantido na lei ou contratualmente ao trabalhador.

Os exemplos mais conhecidos são o abono de férias – conversão em dinheiro de 1/3 das férias – e o abono salarial pela postergação negociada da data base de atualização de salários. Assim, a regularidade de qualquer abono depende da demonstração objetiva de que serve à compensação de direito não exercido pelo empregado, sob pena de ser declarada sua natureza salarial.

Em conclusão, sabe-se que o momento é de muito mais dúvidas que certezas e qualquer pretensa interpretação definitiva das novas normas seria absolutamente temerária. Entretanto, pode-se antever a existência riscos concretos para os empregadores que não analisarem com cautela alternativas de remuneração que envolvam as verbas alcançadas pelas mudanças legislativas.

Marcelo Diniz Barbosa é advogado, sócio da Andersen Ballão Advocacia e coordenador do Departamento Tributário do escritório. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, possui LLM em Direito Empresarial pelo Estação Business School.

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