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Lívia Marina Siqueira de Moraes Stival

Conheça as particularidades da Sociedade Limitada Unipessoal

Publicado em 14/02/2020

Autor:

Lívia Marina Siqueira de Moraes Stival |

Por muito tempo se discutiu a criação de um instituto jurídico que permitisse que apenas uma pessoa física ou jurídica figurasse como sócia de uma Sociedade, visando facilitar as inúmeras paredes burocráticas ao empreendedorismo no Brasil. Em 2013, foi apresentado o Projeto de Lei 6.698/2013, com a intenção de viabilizar a criação de Sociedades Unipessoais, mas a discussão não foi adiante na época.

O projeto veio à tona novamente com a retomada da discussão sobre a liberdade econômica, dessa vez incorporado à Medida Provisória 881/2019, popularmente conhecida como a “MP da Liberdade”. A nova legislação que oficializou a aprovação da Sociedade Limitada Unipessoal foi publicada em 14 de junho de 2019, pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI, por meio da Instrução Normativa 63/2019, que regulamentou o novo formato de Sociedade frente às Juntas Comerciais.

A Lei da Liberdade Econômica acrescentou dois parágrafos ao artigo 1.052 do Código Civil[1], e deixou claro que a sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, o que anteriormente não era possível, já que as limitadas seguiam a regra geral do direito societário no sentido de que uma sociedade, qualquer que fosse a espécie, deveria ser constituída por ao menos dois sócios.

Para compreender na prática as características desse novo tipo societário e para quem ele é mais indicado, é preciso conhecer o cenário atual, e traçar um paralelo com outros tipos de Sociedades já existentes, a saber: Empresário Individual (EI), Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) e Sociedade Limitada[2].

Quando se opta pela adoção do regime de Empresário Individual, o patrimônio particular do empresário se confunde com o patrimônio da empresa. Em outras palavras, as dívidas e obrigações da empresa podem atingir os bens pessoais do sócio. Já na EIRELI o patrimônio particular do proprietário é protegido, e apenas o patrimônio da Pessoa Jurídica responde pelas dívidas e obrigações decorrentes das atividades empresariais.

Todavia, apesar da proteção do patrimônio do titular da EIRELI, o empresário que opta por essa alternativa precisa desembolsar um valor correspondente a 100 vezes o salário mínimo, aproximadamente R$ 100.000,00 (cem mil reais). A exigência desse capital social mínimo cria uma dificuldade para o micro e pequeno empreendedor que, muitas vezes, não possui esse dinheiro quando do início dos negócios.

Ao se optar pelo regime da Sociedade Limitada, o empreendedor reveste-se da obrigatoriedade da pluralidade de sócios no Quadro de Sócios e Administradores. Nesse modelo societário, o patrimônio particular dos empresários é protegido e apenas o patrimônio da Pessoa Jurídica responde pelas dívidas e obrigações da empresa. Hoje, esse é o modelo mais utilizado no Brasil[3].

No cenário atual, um profissional que exerce uma atividade regulamentada só poderia iniciar o seu negócio individualmente por meio de uma EIRELI, pois o Regulamento do Imposto de Renda impede que tais atividades sejam exercidas como Empresário Individual (EI). Essa limitação acaba gerando um grande problema, pois muitas vezes esses profissionais querem empreender individualmente, mas não possuem o capital mínimo necessário, e portanto se veem obrigados a procurar uma outra pessoa para ser seu sócio e cumprir uma mera formalidade, para dar início a uma Sociedade Limitada[4].

Essas sociedades fictícias escondiam o empresário individual que procurava restringir sua responsabilidade ao patrimônio que estava disposto a arriscar na exploração de sua atividade econômica. Essa situação decorria da inexistência, até então, de um instrumento jurídico eficaz que atribuísse ao empresário individual responsabilidade limitada. Nesse ponto, cabe destacar que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, criada por meio da Lei 12.441/2011, não foi capaz de mudar essa realidade.

A Sociedade Limitada Unipessoal chega como uma boa notícia, pois, além de facilitar a abertura de uma empresa sem sócios, com patrimônio particular protegido, e sem a necessidade de investir um valor expressivo inicialmente. Outro efeito provável é o aumento de regularização de atividades regulamentadas como médicos, dentistas, advogados, contadores, representantes comerciais entre outros. Assim, verifica-se que a Sociedade Limitada Unipessoal pode ser uma solução para que esses profissionais oficializem seus trabalhos no formato mais adequado ao seu plano de negócio.

Antes da existência da Sociedade Limitada Unipessoal, a legislação brasileira previa a possibilidade de constituição de sociedade unipessoal, mas somente no caso de sociedade por ações constituída e regida pela Lei n. 6.404/76, ou seja, a conhecida figura da subsidiária integral. A subsidiária integral é a sociedade anônima constituída por um único acionista, atendendo necessariamente à condição de ser uma sociedade brasileira[5], cuja sede de administração encontra-se no Brasil e estar organizada em conformidade com as leis brasileiras[6]. A pessoa natural ou a sociedade estrangeira não podem, portanto, constituir a subsidiária integral.

Cumpre destacar que existe uma série de requisitos para a composição de uma subsidiária integral, uma vez que a sua constituição se dá por escritura pública, sendo esta a única hipótese de ato constitutivo de sociedade, no direito brasileiro, que não pode ser formalizado por instrumento particular. A exigência legal deve-se àqueles receios e preconceitos que cercavam o instituto da sociedade unipessoal, tendo o legislador se preocupado em adotar solenidade, que, rigorosamente falando, não se justifica[7].Todas essas restrições, tal como ocorre na subsidiária integral, constituem desincentivos à adoção dessa espécie de pessoa jurídica, regida por um único artigo do Código Civil (apenas para comparação, a sociedade limitada tem mais de 30 artigos), o que aumenta as já enormes incerteza e insegurança jurídicas. Todas essas condicionantes acabam por afastar tal opção do horizonte da generalidade dos empreendedores, particularmente daqueles de menor monta, que em geral têm acesso a profissionais jurídicos e contábeis com menos intimidade com esse tipo societário. A sociedade subsidiária integral apenas se faz presente, na prática, em estruturas societárias mais complexas, em geral de médio e grande vulto econômico[8].

A limitação da responsabilidade é um dos principais incentivos para que o empreendedor se arrisque a desempenhar uma atividade econômica. Isso porque evita-se que as dificuldades do negócio atinjam o seu patrimônio pessoal. Fato é que a atividade empresarial tem como principal característica o risco. Assim, empreender significa considerar duas situações hipotéticas: a possibilidade de sucesso ou de fracasso[9].

Cumpre destacar que a sociedade limitada de um único sócio não é um novo tipo societário, mas aquela mesma sociedade já muito conhecida por todos. Esse entendimento é reforçado pelo Ofício SEI nº 17429/2019/ME, de 25/9/2019, do DREI, dirigido às 27 juntas comerciais, que consigna ao final: “Observe-se que a sociedade limitada unipessoal não deixa de ser uma sociedade limitada, razão pela qual, no que couber, rege-se exatamente pelas mesmas regras que se aplicam à sociedade limitada”.

Nesse sentido, as alterações de contrato social que resultem na diminuição a um único membro de seu quadro de sócios ou que, contrariamente, ensejem, para as unipessoais, a pluralidade deles, não constituem de nenhum modo transformação societária, tampouco podem causar qualquer solução de continuidade ou necessidade de alteração de seus dados de registro original, tais como NIRE, CNPJ, inscrição estadual, se houver, ou, ainda, qualquer outro registro público de liberação da atividade econômica.[10]

Conclui-se, portanto, que a Sociedade Limitada Unipessoal nada mais é que um instrumento conhecido do mercado, que, agora adaptado, constitui mais uma opção de estruturação de sociedades ou mesmo de grupos societários. A verdade é que a unipessoalidade, brindada com personalidade jurídica e limitação de responsabilidade, está finalmente ao alcance de todos.

*Lívia Moraes é advogada do Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia.

 

Anexo I – Conforme nota explicativa de rodapé n° 02.

Tabela Comparativa entre os principais tipos societários

[1] Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

  • 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
  • 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.

[2] Em anexo ao presente artigo (Anexo I), segue uma tabela comparativa, para melhor visualização das principais diferenças entre os tipos societários.

[3] ABREU, Iolanda Lópes de. Responsabilidade Patrimonial dos Sócios nas Sociedades Comerciais de Pessoas. São Paulo: Saraiva, 1988.

[4] CAMOSSI, Érika. Mundo de Faz-de-Conta – Exigência de Duas Pessoas para Formar Sociedade é Prejudicial. Disponível em: <http://www.justributario.com.br/imprime_niticia.asp?.art=1004>.

[5] Lei nº 6.404/76, art. 251.

[6] Código Civil, art. 1.126.

[7] MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário. São Paulo: Saraiva, 1988, pg. 271.

[8] COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de Direito Comercial: vol. I, 12ª ed. São Paulo. Saraiva. 2008.

[9] Ary Oswaldo Mattos Filho e Outros. Radiografia das Sociedades Limitadas. Disponível em: https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/anexos/radiografia_das_ltdas_v5.pdf.

[10] A observação n.º 2 ao Item 1.2 do Manual de Registro das Sociedades Limitadas (Anexo II da IN DREI n.º 38/2017) parecer ter encampado essa nomenclatura formalista: “O ato constitutivo do sócio único observará as disposições sobre o contrato social de sociedade limitada.” Nada obstante, e mesmo que adotada essa forma de expressão, entendemos conveniente que a numeração das alterações do ato constitutivo siga a mesma sequência independentemente da variação na quantidade de sócios da sociedade (ou de sua designação como “ato constitutivo” ou como “contrato social”).

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