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Quais as aplicações de blockchain, criptomoeda e tokenização na economia contemporânea?

Publicado em 29/11/2021

Este artigo é voltado para o público profissional em geral, que ainda não está familiarizado com os detalhes dos avanços das tecnologias, mas que já percebeu que elas estão no noticiário nacional e, portanto, não quer ficar de fora dessa novidade. Mas o texto também é útil para aquele público que ainda está em formação e gostaria de saber o que é preciso para ingressar nesse novo mercado de trabalho.

A primeira referência ao conceito de blockchain remonta ao ano da grande crise econômica mundial: 2008. Aconteceu por meio de uma publicação assinada por Satoshi Nakamoto e intitulada “Bitcoin: A peer-to-peer electronic cash system”, que descrevia o funcionamento básico da primeira criptomoeda do mundo, o Bitcoin. A grande novidade do desenvolvimento da moeda foi resolver o problema de “gasto duplo”, que acontece quando um usuário consegue gastar as mesmas moedas digitais mais de uma vez. Isso nunca havia sido desenvolvido para uma criptomoeda que pudesse operar em uma rede do tipo ponto-a-ponto (peer-to-peer), onde cada nó da rede funciona tanto como cliente quanto servidor, portanto sem a necessidade de um servidor central.

E tudo já começou de uma forma não muito usual: Satoshi Nakamoto é um pseudônimo de uma pessoa (ou um grupo de pessoas) que desenvolveu o sistema. Ele (ou eles) participou dos fóruns de desenvolvimento até meados de 2010 e depois sumiu, mas não sem antes fazer um “pé de meia”: recentemente, esse nome passou a constar em algumas listas de “maiores bilionários” do mundo, mesmo que ninguém tenha muita certeza de quem seja.

Trocando em miúdos, para quem sabe um pouco de contabilidade, fica fácil entender o que é o Blockchain: basicamente é um “livro razão” gigantesco e crescente, num formato público, compartilhado de forma universal, que possibilita gerar consenso e confiança na comunicação direta entre as partes que operam uma transação. A grande novidade é que isso acontece sem que seja necessário o intermédio de partes terceiras, centralizadoras, que historicamente são as instituições financeiras.

Mas como isso acontece sem que haja possibilidade de fraude? Os grupos de registros de transação de bitcoins são chamados “códigos hash”, e são a base da tecnologia. O algoritmo que gera os “códigos hash” se chama SHA-256 e sequer foi criado por Satoshi Nakamoto, mas pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), e depois disponibilizado de forma livre. Os “códigos hash” válidos possuem um número fixo de caracteres, e mapeiam dados de comprimento variável tanto a partir de transações anteriores quanto da transação atual.

Esses “códigos hash” são representados dentro de um bloco de códigos, cuja conexão válida com a cadeia de outros blocos restantes (daí no nome “blockchain”, literalmente “cadeia de blocos”) deve ser verificada e aprovada pelo algoritmo (SHA-256, no caso do Bitcoin). E é na geração desses códigos que reside um dos principais problemas do Bitcoin: ela é bastante custosa em termos de processamento computacional e gasto de energia elétrica, uma vez que precisam avaliar transações já realizadas a partir de dados coletados por essa cadeia de blocos, ou blockchain.

“Proof of work” (POW), literalmente “prova de trabalho” é o nome dado para a verificação no caso do Bitcoin. As POW são dados custosos e demorados para produzir, pois esbarram em limites computacionais. Para superar isso, a solução foi terceirizar essa atividade denominada de “mineração” para pessoas dispostas a alugar capacidade de processamento em troca de Bitcoins. Placas de processamento de vídeo são bastante utilizadas para essa aplicação em computadores dedicados só para isso. Para se ter uma ideia, o mecanismo de geração de POW do Bitcoin atualmente consome mais energia elétrica que a Argentina!

A partir do sucesso do Bitcoin, surgiram novas criptomoedas, como, por exemplo, a Ether, de 2015, que também usa a lógica POW em sua blockchain (Ethereum), mas com um algoritmo diferente (Ethash), que permite produções mais rápidas de blocos, menores tempos de confirmação e muito mais transações por segundo. Outro exemplo incrível foi a iniciativa EOS.IO, ou apenas EOS, lançada em junho de 2018 por meio de ICOs (“Initial Coin Offering” ou “oferta inicial de moedas”), e que arrecadou mais de 4 bilhões de dólares no lançamento. Essa criptomoeda não utiliza a prova de trabalho (POW) como protocolo de consenso, mas a “Prova de participação delegada” (DPOS, da sigla em inglês “Delegated Proof of Stake”), que usa uma votação em tempo real combinada com um sistema social de reputação para alcançar o consenso. A EOS, ao invés de mineradores, também depende de um grupo de 21 “produtores de blocos” escolhidos pelos titulares das carteiras por um processo de votação.

De fato, há uma verdadeira explosão no número de criptomoedas disponíveis no mercado, que se apresentam como uma nova opção de reserva de valor para os investidores, inicialmente pensadas para não estarem sujeitas aos problemas fiscais e políticos dos estados emissores. A ideia pareceu tão boa que El Salvador passou a adotar o Bitcoin como a sua moeda oficial e usa energia geotérmica (renovável) na mineração. Mas é certo também que há um movimento por parte dos próprios estados nacionais de criar e impor as suas próprias criptomoedas, como foi o caso recente da China que proibiu a mineração do Bitcoin em seu território.

Enfim, o uso de blockchain, muito embora tenha se iniciado com criptomoedas, pode ser (e já é) usado para virtualmente quaisquer outras aplicações que requeiram rastreamento de ativos, sejam estes tangíveis, como dinheiro, carro, casa, etc., ou até mesmo intangíveis, como direitos autorais, propriedade intelectual, obras de arte etc. E a partir do momento em que esses ativos sejam rastreáveis via blockchain, são denominados de tokens. A partir desse conceito mais amplo, poderíamos dizer que o uso de blockchain tem um potencial enorme para reduzir riscos, aumentar a confiabilidade e permitir a rastreabilidade de (teoricamente) qualquer item de valor que esteja “tokenizado”.

Dentro de cadeias produtivas industriais, o uso massivo de dispositivos baseados em IoT (Internet of Things, ou internet das coisas), cada vez mais incorporados a sensores, capacidade de processamento e novos softwares, levou à geração de muito mais registros de dados, que podem convenientemente ser compartilhados de forma transparente em um livro-razão imutável (blockchain), acessado apenas pelos membros da rede, de forma a acompanhar pedidos, pagamentos, sistemas de produção, rastreabilidade etc., de modo transparente, seguro e descentralizado, inclusive para a comprovação do cumprimento de padrões de qualidade.

E as aplicações do blockchain não param nas cadeias produtivas! Atualmente, já existem aplicações em muitas outras áreas, como, por exemplo: controle de uso e geração de energia, em sistemas de smartgrids; de forma mais ampla, em cidades inteligentes, para controle de questões como tráfego, transportes, coleta de resíduos, fornecimento de água etc.; em controle de conteúdo digital, como já acontece com o GDC (Global Digital Content); em sistemas de saúde, para controle de dados de pacientes; em aplicações de agricultura, para rastreabilidade de insumos e produtos; ou ainda no contexto de indicadores ESG (environmental, social and corporate governance), para afastar suspeitas da autenticidade de iniciativas em questões ambientais, sociais e de governança corporativa, neutralizando o risco de greenwashing.

A propósito, o uso da blockchain é inclusive muito útil para o compliance das empresas que estão se adaptando a essa nova realidade ESG, pois permite a produção de provas confiáveis de que o seu usuário está mesmo cumprindo toda a legislação que lhe é aplicável e poderá demonstrar para as autoridades que lhe fiscalizam, para os investidores, consumidores, trabalhadores, ou comunidades vizinhas o que está, de fato, fazendo.

Enfim, conhecer esses conceitos todos e suas aplicações na realidade da economia contemporânea é essencial, tanto para profissionais mais experientes que não querem se desatualizar, como também para quem está ingressando no mercado de trabalho e quer saber onde estão as oportunidades atuais e no futuro próximo.

*Marcos Alfred Brehm é graduado em Engenharia Elétrica (UFPR) e em Direito (PUC/PR), mestre e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR), coordena o FabLab da Indústria e é professor em cursos de tecnologia e engenharia das Faculdades da Indústria – campus CIC.

*Rafael Ferreira Filippin é graduado em Direito (UFPR), especialista em Gestão de Recursos Hídricos (UFPR), especialista em Gestão e Direito Empresarial (UNIFAE), mestre em Direito (UFSC), doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR) e advogado e sócio-coordenador na Andersen Ballão Advocacia.

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