O protagonismo dos credores no processo de Recuperação Judicial e os limites da intervenção do Judiciário
Publicado em 08/01/2020
A grave crise econômica brasileira tem provocado a recuperação judicial e a falência de grandes empresas e grupos econômicos. De acordo com levantamento mensal realizado pela Serasa Experian entre o início de 2015 e agosto de 2016, foram ajuizados mais de 2,5 mil pedidos de recuperação judicial e 3 mil pedidos de falência. O Direito das Empresas em Crise perdeu modernamente o caráter punitivo à empresa por atos do empresário, oferecendo alternativas aos agudos problemas jurídicos das empresas em dificuldade financeira.
Com a edição da Lei nº 11.101/2015, a recuperação judicial trouxe os credores para o centro de decisão do destino da empresa em crise. Assim, cabe a eles cotejar a situação concreta do devedor e a proposta contida no plano de recuperação para decidir se há viabilidade econômico-financeira de reorganização ou se não há (falência). Os credores saíram do papel de meros expectadores do antigo Direito Concursal sujeito ao DL nº 7.661/45 para a posição de protagonistas. A Lei nova não privilegia necessariamente os credores, mas sim a preservação econômica da empresa, já que equilibra os múltiplos interesses que em torno dela gravitam (devedor, credores, fornecedores, colaboradores, stakeholders). A discussão do plano de recuperação tem caráter nitidamente negocial.
Com o protagonismo destinado aos credores em determinar o destino do devedor (recuperação judicial ou falência), bem como estimar a medida de suas perdas (deságio e parcelamento), o conteúdo da proposta econômico financeira contida no plano é matéria estranha ao controle do juiz. Trata-se de consequência do plano de recuperação como negócio jurídico processual e do respeito ao princípio da livre autonomia de vontade das partes interessadas.
Desta forma, o advogado é indispensável na análise do mérito do plano já que terá de representar o seu constituinte-cliente na deliberação sobre a viabilidade de reorganização do devedor e alertá-lo sobre os efeitos de um ou de outro caminho. Além disto, o advogado interage necessariamente com o juiz do caso sobre a legalidade dos procedimentos de recuperação judicial – já que o juiz não emite juízo de valor sobre o aspecto econômico do plano.
Recentemente, a jurisprudência do TJSP e do STJ tem exorbitado o controle de legalidade formal do processo pelo juiz no processo de recuperação judicial, permitindo-lhe exercer a “magistratura econômica”. O questionamento de minoria dissidente quanto à viabilidade econômica do plano, apesar da aprovação da maioria, constituiria violação de controle de mérito pelo juiz à luz da Lei nº 11.101/2015. No entanto, o TJSP passou a relativizar este entendimento desde o julgamento do AI nº 0136462-29.2011.8.26.0000 (“Caso Gyotoku”).
O risco de tal linha de decisão no judiciário é de que poderia ocorrer gradualmente o esvaziamento da lógica da solução negociada prevista pelo legislador para a Recuperação Judicial. O STJ temperou este entendimento em julgados recentes para limitar a eventual anulação do plano de recuperação quando: i) ocorrer violação à Lei nº 11.101/2015 ou; ii) houver “casos excepcionais de má-fé, obtenção de vantagem indevida, busca de finalidades expressamente vedadas e devidamente confirmadas” .
O leading case no STJ é o Recurso Especial nº 1.359.311-SP, da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão de 09.09.2014.
André Luiz Bettega D’Ávila é advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e Master of Arts pela The Fletcher School of Law and Diplomacy at Tufts University. Ele é sócio do Departamento Contencioso da Andersen Ballão Advocacia desde 2001.
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