Estrutura contratual de Startups
Publicado em 08/01/2020
O início de uma empresa, seja startup ou não, é sempre permeado por muita animação, otimismo e uma quantidade sem fim de tarefas a serem cumpridas. Pensar nos contratos a serem usados nunca está entre as prioridades – que envolvem definir o seu modelo de negócio, aprimorar o produto, encontrar clientes, entre outras.
A elaboração dos contratos (ou Termos e Condições, proveniente do inglês Terms and Conditions – T&C) e a atenção a questões jurídicas, todavia, acabam em algum momento sendo parte essencial do aprimoramento da solução, pois podem restringir o seu campo de atuação, exigir adequações e, por vezes, até ampliar as possibilidades, com redução de custos. Conhecer até onde se pode ir, legalmente falando, muitas vezes amplia o potencial e auxilia no desenho do modelo de negócio – como exemplo, as fintechs (segmento das startups que criam inovações na área de serviços financeiros) são soluções que necessitam, desde a sua idealização, uma detalhada análise de aspectos jurídicos, visto que a área bancária é fortemente regulada.
Assim, o que devemos pensar quando estamos estruturando a operação e queremos alinhar os instrumentos jurídicos? Primeiro, ter em mente que essa é uma via de mão dupla – se o jurídico pode ajudar no modelo de negócio, o modelo de negócio é essencial para a definição das proteções e do caminho a ser seguido. Cada público, assim como cada produto/serviço, implica em riscos diferentes, e é o papel do advogado, por exemplo, auxiliar o empreendedor a entender e aceitar os riscos, cabendo ao empreendedor a definição de absorver o risco ou de adequar a estrutura para reduzir a exposição.
O empreendedor deve se perguntar que parte do produto ou serviço viola qual direito, quem teria interesse em processar a sua empresa, ou seja, quem sofreria algum dano com a sua atividade e, ainda, se haveria alguma forma de evitar ou reduzir esse risco de dano. Por vezes, as respostas são óbvias e podem ser tratadas desde o começo, mas em outras ocasiões um suporte jurídico é essencial, especialmente quando o empreendedor não consegue enxergar qualquer risco na operação por conta própria.
Se o modelo envolve serviços gratuitos e o retorno virá com publicidade (anúncios direcionados, ou targeted ads), a primeira preocupação é com privacidade. Caso envolva a venda e frete de produtos, deve-se considerar o direito de arrependimento, com devolução do produto sem custo ao cliente. Ainda, se envolve conteúdo de terceiros (ou mesmo de clientes), análise de questões de direito autoral e propriedade intelectual são essenciais.
E lembremos sempre que cada um destes pontos é tratado de forma diversa em cada país no qual a solução será oferecida. Especialmente em modelos de negócio que envolvem B2C (business-to-customer, ou seja, vendas ao consumidor e não a outras empresas – B2B), a proteção aos direitos do consumidor deve ser atentada, pois via de regra consumidores possuem proteção especial em cada país. Um consumidor brasileiro, contratando e utilizando um serviço no Brasil, ainda que de uma empresa estrangeira, poderia pleitear prevalência da lei brasileira, mesmo que os T&C tratem de forma diversa.
Para evitar tal transtorno, o empreendedor deve, como falamos acima, (i) entender e aceitar o risco ou (ii) restringir os locais de acesso (com bloqueio de IP, restrição ao uso de cartão de crédito, localização de servidor, línguas utilizadas, ressalvas expressas em T&C etc.), evitando tomar atitudes de grande impacto sem ao menos entender os riscos envolvidos.
Além disso, há outros aspectos genéricos que devem ser atentados, independentemente do modelo de negócio. A validade e extensão dos próprios T&C deve ser considerada, pois trata-se de um contrato de adesão, cuja interpretação favorece ao aderente/cliente, e cujos limites são um tanto mais estritos que outros contratos comerciais. Assim, o documento deve ser o mais claro possível, evitando previsões abusivas e buscando equilibrar a proteção do consumidor com os interesses da empresa.
Essa não é uma recomendação obrigatoriamente para o momento de validação e incubação, mas começa a ser uma necessidade no momento de aceleração, expansão e até ao pivotar (revisar e mudança do rumo do negócio), pois são momentos de amadurecimento que implicam em maior exposição e um passo dado sem conhecimento adequado dos riscos pode significar um problema grave, tanto para a nova empresa quanto para os sócios, pessoalmente.
Rafael Augusto Firakowski Cruz é advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial e em Direito, Logística e Negócios Internacionais pela PUC/PR. É Mestre em Direito – LL.M pela University of California, Berkeley. Rafael é membro do Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia desde 2008.
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