NFS-e Nacional: a padronização que comporta divergências
Publicado em 07/11/2025
A partir de 1º/01/2026, todos os municípios deverão observar o padrão nacional da NFS-e (LC 214/2025, art. 62, §1º). O não atendimento pode ensejar suspensão temporária das transferências voluntárias da União (art. 62, §7º), sem possibilidade de flexibilização. Assim, a adoção do padrão nacional torna-se obrigatória para os 5.570 entes federativos municipais, seja pelo Emissor Nacional ou por integração ao Ambiente de Dados Nacional (ADN). A medida, porém, expõe desafios federativos e operacionais que merecem atenção.
Embora o discurso oficial enfatize uniformização, simplificação e eficiência, a realidade operacional mostra divergências relevantes entre os modelos municipais. As escolhas técnicas das principais capitais já expõem tensões que devem se intensificar durante a transição.
Houve, em 2025, uma aceleração das adesões municipais ao padrão nacional. Segundo a Receita Federal, em agosto de 2025 pouco mais de 1.400 municípios haviam formalizado a adesão. Após ações de mobilização (contatos diretos com prefeituras, comunicados via e-CAC e eventos técnicos), o número superou 3.000 já em setembro, cobrindo mais de 80% da população e da arrecadação potencial de ISS e incluindo quase todas as capitais. Esses dados seguem confirmados em outubro de 2025, quando a Receita passou a divulgar um painel público de monitoramento das adesões
Na transição, os números indicam o bom avanço da adesão formal, mas a implementação segue incipiente. Conforme o painel oficial da RFB – Monitoramento da Adesão dos Municípios à NFS-e (consulta em 27/10/2025), dos 3.615 entes já conveniados, apenas 303 estão ativos na plataforma e 412 operam efetivamente, com emissão de NFS-e nos últimos meses. Será uma corrida contra o tempo para a obtenção e preparação das as bases de dados exigidas e atualizações necessárias à emissão dos documentos oficiais.
Mesmo entre os municípios que já implementaram o padrão nacional da NFS-e, persistem divergências operacionais. A LC 214/2025 oferece duas vias de adequação: (i) adoção do Emissor Nacional de NFS-e, plataforma gratuita da Receita Federal e do Serpro; ou (ii) manutenção de sistema próprio integrado ao Ambiente de Dados Nacional (ADN), desde que cada documento seja transmitido no layout unificado. Essa flexibilidade, necessária para viabilizar a adesão de grandes centros com infraestrutura consolidada, resultou, na prática, em modelos de operação distintos que impactam contribuintes e administrações tributárias.
Curitiba, Porto Alegre e São Paulo, três das principais capitais brasileiras, ilustram a diversidade de estratégias. Curitiba adotou migração gradual ao Emissor Nacional. O cronograma – 1º/10/2025 (sociedades uniprofissionais), 1º/11/2025 (Simples Nacional) e 1º/01/2026 (demais contribuintes) – envolve cerca de 1 milhão de emissores e já conta com portal e canal de suporte da Secretaria Municipal de Planejamento, Finanças e Orçamento. Os MEIs permanecem como estão, pois já utilizam o Emissor Nacional desde 2023.
Porto Alegre optou por migração praticamente imediata. A IN SMF nº 10/2025 determina que todos os prestadores passem a emitir exclusivamente a NFS-e Nacional a partir de 1º/11/2025, substituindo o sistema municipal (“Nota Legal”). A norma prevê apenas uma exceção transitória: prestadores que comprovarem impossibilidade técnica poderão solicitar autorização para usar o sistema antigo até 30/11/2025. A estratégia busca encerrar rapidamente a convivência de dois sistemas.
São Paulo manteve o emissor próprio (Nota Paulistana), mas adaptou o layout para incluir, a partir de 2026, campos de IBS e CBS e passou a transmitir os dados ao Ambiente de Dados Nacional (ADN). Ou seja, preserva a interface municipal e o fluxo de arrecadação do ISS, enquanto já prepara a integração nacional necessária ao IBS e à CBS.
Essas escolhas têm efeitos diretos nas rotinas dos prestadores de serviços. Para quem opera em diferentes cidades, a uniformização ainda é parcial. O layout XML é comum, mas interfaces, processos e rotinas de recolhimento do ISS continuam fragmentados. Na maior parte dos municípios, inclusive Curitiba e Porto Alegre, o imposto segue pago por guias próprias, e a guia nacional é apenas opcional. Ou seja, o padrão nacional unifica o documento fiscal e o fluxo de dados, mas não centraliza a arrecadação.
A NFS-e nacional é a base técnica para a transição ao IBS. O avanço é claro em layout e interoperabilidade de dados, mas a arrecadação do ISS continua descentralizada. Sem padronização dos processos de recolhimento e interoperabilidade entre sistemas municipais, o contribuinte seguirá administrando rotinas múltiplas. Parece-nos que a viabilidade do modelo requer três movimentos: (i) integração crescente ao Ambiente de Dados Nacional (ADN); (ii) racionalização das guias de recolhimento; e (iii) uma governança interfederativa capaz de reduzir assimetrias que hoje elevam o custo de compliance.
* Marcelo Diniz Barbosa e Maria Alice Boscardin são sócios coordenadores da Andersen Ballão Advocacia, especialistas em direito tributário.
O artigo foi originalmente publicado pela Folha de S. Paulo, na coluna “Que imposto é esse?” em 6 de novembro de 2025 – https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2025/11/nfs-e-nacional-a-padronizacao-que-comporta-divergencias.shtml
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