A fila da ANVISA e o direito à duração razoável dos processos administrativos
Publicado em 31/08/2016
Por Ana Clara Rodrigues, Gustavo Henrique Luize e Rafael Filippin
Muito antes da criação da ANVISA em 1999, a Lei Federal nº 6.360, de 1976, já dispunha sobre a vigilância sanitária de produtos e serviços de saúde e afirmava que nenhum produto poderia ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado e, mais, que tal registro seria concedido num prazo máximo de 90 dias a contar da data de entrega do requerimento.
Em tese, o caminho a ser percorrido pelos processos consiste no recebimento, análise, emissão de parecer e, por fim, publicação do registro ou autorização em diário oficial. Contudo, numerosas têm sido as reclamações a respeito da morosidade deste trâmite (que comumente ultrapassa o prazo legal) e sobre a falta de transparência no andamento da fila dos processos. Em sua defesa, a ANVISA alega genericamente que há excesso de trabalho e que a norma instituidora do prazo foi editada há mais de 40 anos e, portanto, está defasada, não sendo adequada à complexidade atual do mercado.
Diante desse contexto, a pergunta que emerge é: considerando a natureza administrativa dos pedidos, a ANVISA pode demorar mais que o prazo estabelecido em lei para analisá-los? A resposta é não. Afinal, o art. 37 da Constituição Federal instituiu o princípio da eficiência que rege a prestação de todo e qualquer serviço público ou exercício de função administrativa.
Assim, a ANVISA deve desempenhar suas funções não apenas com legalidade, mas também com presteza e qualidade, de forma a satisfazer o interesse coletivo e atender aos direitos dos administrados. Contudo, quando se analisa a situação atual da fila de processos, não há como se concluir que a agência incumbida da regulamentação, controle e fiscalização dos produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública esteja agindo segundo o princípio da eficiência. Assim sendo, as empresas têm sofrido prejuízos econômicos e a sociedade se vê impedida de ter acesso a novos produtos e serviços por causa da ineficiência desta autarquia. E, pior, a privação ou acesso tardio a novos medicamentos e equipamentos pelos cidadãos pode, inclusive, inviabilizar diagnósticos e tratamentos colocando a saúde e a vida de muitas pessoas em risco.
O fato é que o direito fundamental do administrado à duração razoável do processo, assegurado constitucionalmente no art. 5º, LXXVIII da Constituição de 1988, está sendo desrespeitado, assim como os princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. Por isso, uma vez que não estão sendo atendidas a contento na via administrativa, muitas empresas têm buscado tutelar seus direitos perante o Poder Judiciário.
Nessa lógica, a Administração Pública não pode postergar, indefinidamente e sem justificativa plausível, a análise dos pedidos que lhe estão submetidos, ainda mais quando já há uma situação de excesso de prazo em relação à previsão legal, sendo pacífico o entendimento adotado pelos tribunais brasileiros de que tal demora configura lesão a direito subjetivo individual, passível de correção pela via judicial. Isto posto, é interessante chamar a atenção para uma jurisprudência que vem sendo formada e aplicada a novos casos concretos, na qual o Poder Judiciário está estipulando prazo para que a Administração Pública enfim conclua a análise dos pedidos e encerre os procedimentos administrativos, de modo a assegurar a razoável duração do processo ao administrado, segundo os princípios da eficiência e moralidade.
Apesar de ser o meio encontrado pelas empresas para a efetivação de seus direitos, a grande busca pela tutela jurisdicional fez surgir uma “segunda fila”, a dos administrados possuidores de decisões liminares favoráveis, o que acaba por retardar ainda mais o atendimento da ANVISA aos demais administrados que permanecem na “primeira fila”.
É preciso registrar ainda que o setor regulado de forma alguma pretende uma vigilância menos criteriosa. Pelo contrário. Entretanto, e sem prejuízo da análise de risco e segurança sanitária, é essencial que a autarquia reorganize os seus processos de trabalho de forma a implantar um modelo de gestão que atenda aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Enquanto isso não ocorrer, os administrados continuarão a buscar no Poder Judiciário uma solução para o problema.
Ana Clara Rodrigues é acadêmica de Direito na UniCuritiba – Centro Universitário Curitiba e estagiária do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia
Gustavo Henrique de Jesus Luize é advogado, Bacharel em Direito pela UniBrasil e pós-graduando em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Felipe Barcellar. Atua no Departamento Ambiental e Regulatório da Andersen Ballão Advocacia desde 2014.
Rafael Ferreira Filippin é advogado, Bacharel em Direito pela UFPR, Mestre em Direito pela UFSC e Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento também pela UFPR. É Sócio e Coordenador do Departamento Ambiental e Regulatório de Andersen Ballão Advocacia desde 2012.
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