Alienação fiduciária e os impactos na relação locatícia - Andersen Ballão Advocacia

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Aron Vitor Fraiz Costa

Alienação fiduciária e os impactos na relação locatícia

Publicado em 05/08/2025

Autor:

Aron Vitor Fraiz Costa |

* Aron Vitor Fraiz Costa

A utilização de imóveis como garantia é prática consolidada no mercado. Entre as modalidades disponíveis, a alienação fiduciária, regulada pela Lei nº 9.514/97, destaca-se por transferir ao credor a titularidade do imóvel, ainda que resolúvel, como garantia, proporcionando segurança da satisfação do crédito na hipótese de inadimplemento.

Nos termos do art. 22, da Lei nº 9.514/97, a alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Desse modo, enquanto mantiver a posse direta do imóvel, o fiduciante poderá utilizá-lo, locá-lo e até aproveitar os seus frutos econômicos, desde que esteja adimplente com as obrigações assumidas.

Conforme explica Melhim Chalhub, esse desenho contratual foi construído para garantir ao credor não apenas a formalização da dívida, mas um instrumento de recuperação ágil do capital investido, caso o pagamento não ocorra no prazo[1]. Anfranio Carlos complementa que a intenção do legislador foi de fortalecer a confiança no setor imobiliário, permitindo que o capital circulasse com maior previsibilidade e menor desgaste processual[2].

Por outro lado, esse mecanismo impacta diretamente contratos de locação firmados sobre o imóvel alienado fiduciariamente, gerando riscos que muitas vezes passam despercebidos pelos locatários. Estes, poderão ter a sua posse comprometida em caso de inadimplemento do devedor fiduciário em face do credor, mesmo sendo os locatários adimplentes em relação ao locador (devedor fiduciário). Com efeito, impõe-se enfrentar em que medida o contrato de locação é afetado quando o imóvel está alienado fiduciariamente.

A primeira restrição imposta pela Lei nº 9.514/97 está prevista no artigo 37-B. Nos termos do dispositivo:

Art. 37-B. Será considerada ineficaz, e sem qualquer efeito perante o fiduciário ou seus sucessores, a contratação ou a prorrogação de locação de imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano sem concordância por escrito do fiduciário.Na prática, isso significa que a anuência da credora fiduciária é necessária em caso de contratação de locação ou a sua prorrogação por prazo superior a um ano. Caso não haja essa anuência expressa e por escrito, a contratação e a prorrogação serão ineficazes perante a credora fiduciária, podendo ser desconsiderada em eventual execução da garantia.

Tal  exigência legal protege a credora fiduciária contra eventuais limitações ao exercício de consolidação da propriedade em seu nome, evitando dificuldades para a retomada do bem em nome de terceiros. Sob a perspectiva do locatário, a regra impõe certo grau vulnerabilidade: mesmo cumprindo suas obrigações, poderá ser compelido a desocupar o imóvel, na hipótese de execução da garantia.

A segunda restrição diz respeito à possibilidade de denúncia da locação. Na ausência de anuência da fiduciária, a lei permite que, em caso de consolidação da propriedade, a credora exija a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias, desde que a denúncia seja realizada no prazo de até 90 dias após a consolidação:

Art. 27, § 7º: Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário. A denúncia deverá ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.

Significa dizer que, mesmo contratos de locação válidos e com cláusula de vigência podem ser denunciados em prazo reduzido – de 30 dias, desde que haja essa previsão destacada e não haja anuência do credor. A denúncia deve ocorrer em até 90 dias da consolidação, sob pena de preclusão.

Na ausência de previsão contratual expressa e destacada, a jurisprudência tem se inclinado ao entendimento de que a credora fiduciária está impedida de exercer a denúncia da locação com prazo reduzido, devendo observar os prazos ordinários de desocupação previstos na legislação locatícia.

Nesse sentido, destaca-se o julgamento do TJDF[3], que enfatizou a imprescindibilidade da observância do regramento previsto no artigo 27, § 7º, para a validade da denúncia. Conforme ressaltado no acórdão, “a denúncia da locação poderá ser realizada no prazo de 30 dias, desde que haja previsão contratual expressa e destacada, e desde que não haja anuência do credor. Não havendo tal previsão, o procedimento adequado à retomada do imóvel pelo credor fiduciário é a ação de despejo, e não a mera imissão na posse”. Na prática, a questão tem evoluído para mitigar os efeitos da alienação fiduciária em situações em que o contrato de locação foi averbado na matrícula do imóvel antes da constituição da garantia. Nesses casos, parte da doutrina — como o próprio Melhim Chalhub cita — sustenta que a ciência prévia do credor fiduciário quanto à existência da locação pode configurar anuência tácita, devendo “ser analisada também com base nos princípios da publicidade, continuidade e fé pública registral que caracterizam o registro público”[4].

Diante dessas questões, a parte que pretende locar imóveis deve adotar precauções específicas, tais como solicitar cópia atualizada da matrícula do imóvel antes da assinatura do contrato e verificar se existe registro de alienação fiduciária. Se houver, exigir anuência expressa e escrita do fiduciário.

A ausência dessas diligências em momento pré-contratual pode não apenas comprometer a estabilidade da relação locatícia, como também gerar custos indiretos relevantes, desde a renegociação forçada das condições contratuais até eventuais despesas com desocupação e relocação, que afetam diretamente a eficiência da operação pretendida.

*Aron Vitor Fraiz Costa é advogado da Andersen Ballão Advocacia, especialista em Direito Empresarial .


[1] CHALHUB, Melhim Namem. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 443.

[2] Dantzger, Afranio Carlos Camargo. Alienação fiduciária de bens imóveis. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2010, p. 150.

[3] Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. INTERESSE PROCESSUAL. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. EXISTÊNCIA DE CONTRATOS DE LOCAÇÃO NO IMÓVEL. DENÚNCIA. ART. 27, § 7º, LEI 9 .514/97. INOBSERVÂNCIA. PRETENSÃO RESISTIDA DE PERMANÊNCIA NO IMÓVEL. (…). 3. Consolidada a propriedade em favor do credor fiduciário, diante da inequívoca existência de locatários ocupantes de partes do imóvel, deveria a credora fiduciária ter observado o regramento previsto no § 7º, do art. 27, da Lei nº 9 .514/97, com posterior adoção da via do despejo em relação àqueles que impuserem pretensão resistida de permanência no imóvel. 4. Havendo inequívoca demonstração de ciência pela credora fiduciária da existência dos locatários no imóvel, corroborada pelos ofícios enviados em que requereu o adimplemento dos aluguéis em seu favor, se mostra complemente infundada sua alegação de desconhecimento, não sendo tal fato capaz de atrair a incidência do procedimento previsto no art. 30, tampouco de afastar a clara conclusão de que a denúncia dos contratos não foi levada a efeito nos termos do § 7º, do art . 27, da Lei nº 9.514/97. (…). 12. Apelação cível conhecida e parcialmente provida. (TJ-DF 0704002-43.2023 .8.07.0018 1820978, Relator.: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 22/02/2024, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 06/03/2024)

[4] CHALHUB, Melhim Namem. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 443.

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