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Camilla Miyuki Oshima

Contrato de promessa de compra e venda de imóvel e os limites do direito de desistência do consumidor

Publicado em 02/04/2024

Autor:

Camilla Miyuki Oshima |

O contrato de promessa de compra e venda representa um negócio jurídico bilateral – o qual impõe obrigações a ambas as partes –, quando um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa e, o outro, a pagar o preço certo ajustado. Cumpridas tais atribuições, opera-se a extinção do negócio jurídico.

Na ocasião em que o contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel é regido pelo Código de Defesa do Consumidor, a legislação confere o direito de desistência ao consumidor, mediante a devolução das prestações já pagas e a restituição do bem ao fornecedor.

Nessa situação, o direito de desfazimento do negócio possui como premissa o inadimplemento ou a insuportabilidade das prestações, circunstância em que o consumidor não é mais capaz de arcar com os valores oriundos do contrato.

A forma de restituição dos valores pagos (integral ou parcial), por sua vez, dependerá da constatação de quem deu causa ao encerramento do contrato. Razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça consolidou o seu entendimento na Súmula 543, a fim de equilibrar os interesses das partes.

Confira-se: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, dever ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.

Dessa forma, na hipótese em que o contrato de promessa de compra e venda se submete à legislação consumerista, em regra é lícito ao consumidor resilir unilateralmente o contrato (direito de desistência), assegurado ao vendedor que não deu causa à desconstituição do negócio jurídico o direito de retenção parcial do valor adimplido. O consumidor, portanto, recebe parte dos valores pagos e ao fornecedor é autorizada a aplicação de pena convencional até o limite de 25% da quantia paga, a teor do art. 67-A da Lei nº 4.591/1964, que dispõe sobre as incorporações imobiliárias.

Recentemente, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou discussão sobre o tema em uma demanda em que ambas as partes – consumidor e fornecedor – adimpliram as suas obrigações (Recurso Especial nº 2.023.670/SP). Quer dizer, após realizar o pagamento total do preço e receber o imóvel, o consumidor ingressou com ação judicial para pleitear a resolução do contrato, sob o fundamento de que diversos elementos do empreendimento não estariam devidamente concluídos, como sauna, sistema de calefação, quadra esportiva e calçamento.

Prevaleceu o entendimento de que a inacessibilidade das áreas comuns não representa motivo suficiente para justificar a rescisão do contrato por culpa da fornecedora. Nesse sentido, a Corte Superior decidiu que o cumprimento integral das obrigações contratuais por ambas as partes obsta o exercício do direito de desistência pelo consumidor. Isto, porque, não há o interesse do vendedor, que já recebeu o preço ajustado, em retomar o bem, enquanto o consumidor poderá usufruir do imóvel adquirido, inexistindo razão para exceder a força obrigatória dos contratos.

Ademais, conforme exposto na decisão pela Ministra Relatora Nancy Andrighi, facultar a desistência do negócio jurídico após o pagamento de todas as parcelas do valor ajustado significa ratificar um comportamento contrário à boa-fé objetiva. Cumpre mencionar, neste raciocínio, o princípio do venire contra factum proprium, o qual veda o comportamento contraditório e inesperado à outra parte, em razão da lealdade contratual exigível a todos os contratantes.

Considerando, portanto, que o reconhecimento de eventual direito de desistência é excepcional, o entendimento adotado no julgamento do caso contribui para a segurança jurídica nos contratos desta natureza, tendo em vista que o desfazimento do negócio por mera desistência após o seu efetivo cumprimento evidentemente gera desequilíbrio no mercado imobiliário e confronta os interesses comuns das partes contratantes.

 

*Camilla Oshima  é advogada da Área do Contencioso e Arbitragem,Direito Comercial e Societário e Direito Imobiliário da Andersen Ballão Advocacia

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