


Direitos autorais e plataformas de streaming: os contratos acompanham a tecnologia?
Publicado em 08/07/2025
*Equipe de Direito Digital
Com o avanço das tecnologias digitais, plataformas de streaming, que têm entre exemplos mais populares o Youtube e Spotify, se consolidam como principal forma de consumo de conteúdo musical e audiovisual. Essa realidade reacende debates jurídicos sobre os limites das transferências de direitos autorais.
Ainda que não seja um caso isolado, a recente disputa judicial entre o cantor Leonardo e a Sony Music evidenciou preocupações relevantes no tocante a extensão dos direitos concedidos pelo autor de uma obra e a sobrevivência dessa extensão ao longo do tempo, especialmente em face de novas formas de exploração da obra, como o streaming.
No referido caso, Leonardo, na figura de autor, questionou judicialmente a validade do contrato assinado em 1998 com a Sony Music quanto a possibilidade de divulgação do catálogo musical dele em plataformas de streaming, considerando que a cláusula contratual que determina a extensão do uso da obra pela Sony Music não contempla de forma expressa a distribuição por streaming.
A controvérsia gira em torno da interpretação restritiva dada aos negócios jurídicos (incluindo contratos) que regulam direitos autorais. Pois não se pode presumir aquilo que não foi pactuado de forma clara e expressa, e que poderia levar ao entendimento de que as formas de exploração atuais não estavam previstas nos acordos celebrados no passado e, portanto, não foram autorizadas pelo autor. Contudo, ainda que seja inegável a obrigação de cumprimento com os critérios de validade da transferência (ex. que o contrato seja por escrito, que determine as formas de uso autorizadas etc.), é fundamental que a análise considere o contexto tecnológico em que o contrato foi firmado (em 1998, quando Leonardo assinou o contrato, o Spotify – por exemplo – estava ainda há 10 anos de ser lançado).
O grande ponto de tensão, tanto neste caso quanto em outros semelhantes, é a validade dos contratos firmados antes da internet se consolidar como meio dominante de distribuição de conteúdo. A rigor, a indústria fonográfica sustenta que o streaming é apenas uma extensão das formas tradicionais de execução ou distribuição, o que legitima o uso de acordo com as cláusulas contratuais existentes. Em contrapartida, os autores defendem se tratar de um meio completamente novo, que exige autorização específica e, em determinados casos, renegociação da remuneração contratual.
A discussão sobre a necessidade de autorização específica para o uso de obras musicais em plataformas digitais já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial n. 1.559.264/RJ. Em tal oportunidade, a Corte reconheceu que o streaming pode ser enquadrado nas hipóteses de utilização previstas no artigo 29 da Lei de Direitos Autorais. No entanto, destacou que esse tipo de exploração demanda consentimento prévio e expresso do titular dos direitos, em observância ao princípio da interpretação restritiva.
Mais do que um conflito pontual entre partes específicas, discussões como essa revelam uma questão estrutural: a urgência de revisão dos contratos envolvendo a transferência de direitos autorais, independente do setor, seja a indústria fonográfica, seja o setor educacional amplamente digitalizado, veículos jornalísticos, enfim, todos que se utilizam e exploram conteúdo protegido por direitos autorais. Diante da velocidade com que surgem novas tecnologias e formatos de distribuição – especialmente no ambiente digital -, torna-se indispensável que esses instrumentos contratuais especifiquem, de forma clara e abrangente, as modalidades de uso autorizadas. Isso porque a omissão, que comercialmente apresenta-se benéfica, pois dá ampla permissão de exploração de um conteúdo, pode gerar insegurança jurídica, demandas para indenização por direitos morais e materiais, além de disputas caras e prolongadas prolongadas no Judiciário.
*A Equipe de Direito Digital da Andersen Ballão Advocacia é formada pelos advogados Camila Camargo, Gabriela Araújo e Marco Zorzi
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