Divergência sobre a aplicação da prescrição nas ações de ressarcimento no transporte marítimo
Publicado em 13/05/2013
O tema da prescrição no Direito Marítimo, atualmente, tem sido tratado de forma assistemática pela jurisprudência nacional. O que se verifica é que os Tribunais Pátrios ficam sem norte, reprisando precedentes sem uma fundamentação mais aprofundada e divergindo entre si ao aplicar distintamente o direito para situações fáticas similares.
Uma possível explicação para esta realidade é a ausência de regulamentação legal sobre a temática, a inaplicabilidade de princípios constitucionais, tais como o Princípio da Segurança Jurídica, o Princípio da Isonomia e o da Razoabilidade ou até mesmo dos métodos preciosos de interpretação do positivismo, a exemplo da interpretação teleológica e sistemática no caso concreto. Além disso, o próprio desconhecimento desse ramo do direito e a escassa doutrina sobre o assunto contribuem para este cenário.
Em consequência, não é raro encontrar questões jurídicas, tais como, cobrança de demurrage e as inúmeras teses levantadas acerca de sua natureza jurídica e do prazo prescricional incidente, sem pacificação. Inclusive, é possível encontrar tribunais que defendem a aplicação da prescrição ânua, outros a prescrição trienal, outros ainda a quinquenal e há, por fim, quem esteja convicto de que é a decenal. A polêmica se instaura, inclusive, dentro de um próprio tribunal e inclusive de uma mesma câmara, tamanha a falta de uniformização.
No caso das ações de ressarcimento propostas pela seguradora – em via regressiva – contra o causador das avarias nas mercadorias durante o transporte marítimo, a falta de uniformização quanto ao prazo prescricional aplicado não foge a esta realidade. Ocorre que a prescrição estabelecida no Código Civil perde força perante a existência de norma especial que regula a temática. O Código Civil define a previsão de três anos para a ação de ressarcimento. Entretanto, há regulamentação especial, firmada pelo Artigo 8º do Decreto-lei 116/67 e pelo Artigo 22 da Lei nº 9.611/1998, que trata do ressarcimento no transporte marítimo internacional, com prescrição de um ano.
Ora, tanto o Decreto–Lei n. 116/67 – que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d’água nos portos brasileiros, delimita as responsabilidades e trata das faltas e avarias – quanto a Lei nº 9.611/1998 – que dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas, consistem em legislação específica ao transporte de cargas pelo mar. Por serem específicas, estas prevalecem sobre o Código Civil.
Nesse sentido, as divergências entre os Tribunais Pátrios causam insegurança quanto ao direito aplicável, visto que cada Tribunal entende de uma forma, o que compromete significativamente a “Segurança Jurídica”.
Conforme cita Miguel Reale em seu livro Filosofia do Direito: “(…) como em toda comunidade é mister que uma ordem jurídica declare, em última instância, o que é lícito ou ilícito”. Da mesma forma que a declaração da ordem jurídica do que é lícito ou não traz estabilidade, segurança para as relações sociais, a determinação do prazo prescricional, ou melhor, uma definição uniforme quanto a ele, é imprescindível para compor a segurança jurídica.
Foi justamente para evitar esses conflitos que a Constituição estabeleceu no seu art. 105, III e 102, III o manejo de recursos (Especial e Extraordinário) às Cortes Superiores para se uniformizar a jurisprudência. E é o que se espera, ou seja, que haja uma decisão atual e que pacifique o entendimento, aplicando-se aos casos de ressarcimento pela via regressiva proposta pelas seguradoras, o prazo ânuo.
Em outras palavras para que seja restabelecida a segurança jurídica, interessante seria que se confirmasse o entendimento de que a prescrição é ânua, seja porque há lei especial regulamentando a matéria (Dec. Lei 116/67 e Lei 9611/98) – e lei especial prevalece sobre a geral – seja porque essa interpretação é a mais razoável e compatível com a sistemática do Novo Código Civil que primou pela redução dos prazos prescricionais.
**** Letícia Martins de França é advogada, graduada em Direito pela UniCuritiba (programa Bom Aluno – IBAB) e pós-graduanda em Direito Aduaneiro pela mesma instituição de ensino. Integra a equipe do escritório Andersen Ballão Advocacia desde 2009.
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