Greve dos Servidores da RFB x Direito ao Desembaraço Aduaneiro
Publicado em 01/04/2022
Conforme amplamente divulgado nos noticiários, os protestos dos auditores fiscais da Receita Federal já afetam significativamente as operações no Aeroporto Internacional de Viracopos, aumentando de 2 para 15 dias o tempo de liberação dos processos de importação, prejudicando os particulares que dependem da importação para manter o fluxo de produção e todas as suas atividades.
Não se está aqui questionando se a greve e os protestos são legítimos. Ocorre que, ainda que seja um direito dos servidores, ele não pode impedir a continuidade de serviço que é essencial e causar prejuízos aos particulares! Se o movimento deflagrado pelos agentes obsta a prestação normal dos serviços públicos e traz risco de prejuízo aos particulares, deve o Judiciário intervir para determinar a liberação das mercadorias. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DEFERIMENTO DE LIMINAR. LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS. GREVE DE SERVIDORES. DIREITO AO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA.
I – Não cabe ao particular arcar com qualquer ônus em decorrência do exercício do direito de greve dos servidores, que, embora legítimo, não justifica a imposição de qualquer gravame ao particular.
II – Devem as mercadorias ser liberadas, para que a parte não sofra prejuízo.
III – Recurso não conhecido. Decisão unânime.
(STJ, Segunda Turma, REsp n.º 179255/SP, Rel. Min. Franciulli Neto, j. 11/09/2001, DJ 12/11/2001)
Conforme preleciona a Desembargadora Federal Regina Costa do TRF3: “(…) Assim, a greve dos servidores da Receita Federal não pode paralisar o desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas, porquanto essa descontinuidade do serviço causa prejuízos ao particular, na medida em que obstaculiza o exercício de seu objeto social”
A inércia da autoridade aduaneira, independentemente dos motivos, configura ato abusivo e ilegal, hábil a legitimar a impetração de um mandado de segurança, na medida que nega ao particular a prestação de serviço essencial, causando prejuízo, sem o devido respaldo e observância da ordem jurídica vigente.
Ainda mais quando se sabe que o Fiscal tem o prazo de 5 a 8 dias para concluir o desembraço aduaneiro ou solicitar alguma exigência após a recepção dos documentos. É que, historicamente, a autoridade aduaneira possuía o prazo máximo de 05 (cinco) dias para concluir o desembaraço aduaneiro ou solicitar eventual exigência após a recepção dos documentos, nos termos do art. 25 da IN 69/96 da SRF.
A aludida IN 69/96 foi convenientemente revogada por regramento superveniente sobre o tema, em que se suprimiu a existência de prazo para a conferência aduaneira.
A solução, contudo, é trazida pelo artigo 24 da Lei 9784/1999 que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e prevê que, “inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior”.
No mesmo sentido, tem aplicação o art. 4º do Decreto 70235/1972 (que dispõe sobre procedimento administrativo fiscal), o qual prevê que o servidor executará os atos processuais em 8 (oito) dias na ausência de regulamentação específica.
Em razão disso, pode e deve o administrado recorrer ao Judiciário para obter uma ordem autorizando a continuidade do despacho de importação das mercadorias, caso o referido prazo tenha sido extrapolado, ainda que a demora seja “justificada” por eventual greve do servidor, já que ela não pode ser utilizada como escusa para impedir a continuidade do serviço essencial, ainda mais quando traz prejuízos ao particular e já se extrapolou a duração razoável para todo o processo.
*1 https://correio.rac.com.br/campinas-e-rmc/2022/02/1161262-protesto-de-auditores-fiscais-atrasa-liberacao-de-cargas-em-viracopos.html> Acesso em 07.03.22
*2 (TRF-3 – REOMS: 200861050034583 2008.61.05.003458-3, Relator: Desembargadora Federal REGINA COSTA, Data de Julgamento: 10/02/2012)
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