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Morte de sócio e sucessão de quotas em sociedades limitadas

Publicado em 02/04/2024

A morte de um sócio pessoa física na sociedade limitada deve ser tratada com atenção e a antecedência necessárias, de forma a evitar que suas consequências tragam transtornos imprevistos depois do óbito. A sucessão societária pode gerar um conflito delicado entre partes envolvidas, que, não raramente, possuem interesses distintos. Mais do que a divisão do patrimônio dofalecido entre seus herdeiros ou sucessores, a morte de um sócio traz à tona questões sobre a manutenção da sociedade e a conciliação dos interesses dos herdeiros com os dos sócios remanescentes 1 . A legislação brasileira não regulou especificamente o tema da sucessão em caso de morte de sócio de sociedade limitada. Na omissão do contrato social, aplica-se o artigo 1.028 do capítulo destinado às sociedades simples do Código Civil, que dispõe o seguinte: “No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I – se o contrato dispuser diferentemente; II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.” A liquidação de quotas do falecido, como solução da situação, e as demais alternativas indicadas nesta disposição legal geram muita discussão.

A liquidação da quota consiste na apuração dos haveres que caberiam ao falecido por sua participação na sociedade e a consequente redução do capital social. A liquidação reflete apenas os direitos patrimoniais do falecido, não sendo transmitidos aos herdeiros ou sucessores os direitos pessoais do sócio. Isso implica, por exemplo, na impossibilidade de os herdeiros participarem da sociedade e de suas decisões, no período entre o falecimento do sócio e o efetivo pagamento dos valores apurados, uma vez que os herdeiros não são sócios, mas apenas credores de haveres 2 .

Ocorre que a necessidade de pagamento aos herdeiros pode gerar um grande encargo financeiro à sociedade, dificultando o curso de seus negócios. Assim sendo, podem surgir conflitos entre os sócios remanescentes e os herdeiros, na medida em que aqueles desejam dar seguimento aos negócios da sociedade, enquanto estes pretendem receber, a todo custo, o crédito que lhes cabe. Como opção à liquidação das quotas, pode-se admitir o ingresso dos herdeiros na sociedade. Contudo, não são poucos os obstáculos para sua concretização. Corre-se o risco, por exemplo, de os herdeiros discordarem desta solução, mesmo porque o contrato social não os vincula, de modo a não poder obrigá-los a entrar na sociedade.

1 FRAZÃO, Ana. Sucessão na Empresa: O Problema das Quotas de Sociedades Limitadas. In: Direito das

Sucessões: Problemas e Tendências. São Paulo: Editora Foco, 2024, p. 416.

2 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p.

423.

Muito distante de ser a solução ideal, para além da simples liquidação das quotas do sócio falecido, pode-se também optar pela dissolução total da sociedade. Flagrantemente polêmica, essa opção pode encontrar obstáculos nos casos em que, apesar da vontade dos sócios em dissolver a sociedade, os herdeiros desejam continuar o exercício de seus negócios.

Pelas razões expostas, evidencia-se que a melhor solução para minimizar potenciais conflitos societários decorrentes da morte de um sócio é pensar a sucessão societária de forma antecipada e planejada, por meio de disposição coerente e compatível com os negócios da sociedade em seu contrato social. O protagonismo do contrato social nesse aspecto permite uma resposta mais coesa às especificidades da sociedade, sem deixá-la à sorte das hipóteses amplas do artigo 1.028. Algumas previsões que podem ser estabelecidas no contrato social são, por exemplo, regras sobre o funcionamento da sociedade entre a data de falecimento do sócio e o ingresso dos herdeiros na sociedade (ou o pagamento pela liquidação das quotas), de forma a evitar conflitos entre os interesses dos sócios remanescentes e dos herdeiros neste período, bem como o estabelecimento de critérios detalhados para a forma de apuração e pagamento dos haveres, que não onerem excessivamente a sociedade, mas que garantam, de forma satisfatória, o direito creditório dos herdeiros.

Enfim, os problemas decorrentes da morte de um sócio em sociedades limitadas merecem especial atenção, devendo sua condução e resolução ser objeto de prévio planejamento e, não por último, de disposições detalhadas no contrato social.

* Júlia Massignan Coppla – Advogada do Departamento Societário da Andersen Ballão Advocacia

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