Novas normas para a conversão de sanções administrativas ambientais
Publicado em 08/01/2020
A entrada em vigor do Decreto Federal nº 9179, em 23 de outubro de 2017, alterou as regras do Decreto Federal nº 6538/2008 e redefiniu as normas para a conversão de sanções administrativas ambientais de multa em recursos financeiros para projetos de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
Em tempos de profunda agudização no debate político, o novel regulamento não passou incólume e acarretou uma polêmica que se mostrou muito interessante. De um lado, recebeu críticas contundentes daqueles que o compreenderam como uma maneira escandalosa de promover a impunidade em matéria ambiental. De outro, foi festejado como uma medida pragmática, que poderá alavancar investimentos para projetos que, do contrário, não sairiam do papel.
Para justificar as críticas, os descontentes mostram o texto do novo art. 143, § 2º, I e II, na qual forma instituídos descontos de 35% e de 60% respectivamente no valor das multas. Por outro lado, os defensores rebatem afirmando que a conversão é algo a mais, pois o art. 141 obriga a que o infrator recupere o dano antes, para poder converter a multa, com desconto, em projetos ambientais.
Enfim, o debate é saudável e evidencia na realidade algo que a ciência política já estuda há décadas que são os muitos matizes que existem dentre os ambientalistas. No entanto, para além desse debate, é oportuno chamar a atenção para algo que não está previsto de forma de expressa no novo regulamento: a real abrangência e alcance dessas normas jurídicas regulamentares.
Evidentemente, Decreto Federal nº 9179/2017 e o Decreto Federal nº 6538/2008 que foi alterado não são regulamentos autônomos. Pelo contrário, esses decretos detalham a aplicação de uma norma jurídica de alcance nacional existente no art. 79-A da Lei Federal nº 9.605/1998.
Ou seja, a conversão de sanções administrativas de multa em recursos financeiros para projetos ambientais não é uma novidade e, o Decreto Federal nº 9179/2017 trouxe apenas uma nova maneira de operacionalizar essa conversão. Contudo, o novo regulamento limita sua abrangência (art. 139) dizendo que essas regras valem apenas para a conversão das multas que são impostas pela fiscalização dos órgãos federais. É verdade que na redação anterior (revogada) do art. 139 do Decreto Federal nº 6538/2008 também havia limitação semelhante, em que pese o fato de que todas as demais normas desse regulamento tinham alcance nacional, isto é, aplicavam-se também na atuação dos órgãos ambientais dos estados e dos municípios componentes do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente.
A questão que passa a ser relevante para ser debatida agora é qual o grau de autonomia que estados e municípios têm regulamentar a conversão de multas em serviços ambientais. A resposta que parece ser a mais adequada é a de que, pelo princípio jurídico-constitucional da simetria federativa, decorrente da interpretação dos arts. 18, 25 e 29 da Constituição de 1988, estados e municípios podem regulamentar a matéria desde que mantenham uma simetria com a maneira como isso foi regulamentado no nível federal.
E, na falta de um regulamento estadual ou municipal a respeito, o órgão seccional ou local do SISNAMA pode e deve aplicar os arts. 139 e seguintes do Decreto Federal nº 6538/2008 na conversão das multas em serviços ambientais. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça tem precedentes desde pelo menos 2011 nesse sentido (STJ REsp 1.251.769 / SC, Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/9/2011) cujo entendimento vêm sento mantido no Tribunal até o presente (STJ, REsp 1.666.687/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 19/06/2017).
Mas e se houver o regulamento paroquial e ele for mais restritivo em comparação com a norma federal? É preciso notar que não se trata de uma norma material ambiental. Se fosse uma norma material ambiental, a resposta certamente seria: prevalece a norma paroquial em relação à norma federal.
Entretanto, a conversão de multa em serviços ambientais é uma norma processual, que regulamenta um direito subjetivo do acusado de infração previsto em lei (em sentido estrito) de alcance nacional e que não pode, a priori, ser restringida localmente, sob pena de a autoridade local criar um desequilíbrio federativo grave.
Com efeito, se houver mais exigências e restrições, em um certo local, para a conversão de multa em serviços ambientais, os cidadãos sujeitos à competência dessa autoridade local sofrerão uma restrição em seu direito subjetivo público quando comparados com seus concidadãos de outras localidades. No limite, haverá então cidadãos brasileiros com mais direitos subjetivos processuais que outros, em razão exclusivamente de questões regionais, o que, com o devido respeito às opiniões em contrário, é uma nítida violação dos objetivos fundamentais da República contidos no art. 3º, III da Constituição de 1988, que determina a erradicação das desigualdades regionais.
Enfim, em vista da entrada em vigor recente do Decreto Federal nº 9179/2017 esses debates voltam a ter relevância, pois podem ser arguidos durante a defesa e as alegações finais dos acusados de infrações ambientais e, em breve, devem chegar também ao conhecimento do Poder Judiciário, caso as autoridades administrativas ambientais resistirem à aplicação adequada dessas regras.
Rafael Filippin é advogado e sócio-coordenador na Andersen Ballão Advocacia. Em 2017 recebeu a quarta menção individual consecutiva na área ambiental da Revista Análise.
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