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O Processo Judicial e o “Contrato sobre Provas”

Publicado em 29/04/2015

Em março de 2015, foi publicada a Lei Ordinária Federal instituindo o novo Código de Processo Civil (CPC). Esse novo diploma legal, porém entrará em vigor apenas em meados de março de 2016. Até lá, os processos judiciais continuam sob a regência do Código de 1973.

Sem sombra de dúvidas, o novo Código traz uma postura política de garantir maior efetividade ao processo judicial. Certamente, para que essa base principiológica não caia no vazio, será necessária uma mudança de postura de todos os operadores do direito, dentre eles, juízes, advogados, e das próprias partes do processo.

O esforço do legislador em chamar a atenção das partes e dos advogados para mudança em prol de uma nova cultura jurídica pode ser verificado em alguns dispositivos do novo Código – citem-se alguns a mero título exemplificativo:

(1) O novo CPC institui que são devidos honorários advocatícios, dentre outras hipóteses, no caso de interposição de recursos. Além dos honorários convencionais, aqueles que são contratados entre cliente e advogado, a sentença judicial sempre distribui o ônus da sucumbência, condenando a parte vencida ao pagamento de honorários dos advogados da parte contrária. O novo texto legal institui que, em caso de recurso, esses honorários poderão ser modificados (para mais ou para menos), o que atualmente não acontece. A intenção do legislador com isso foi forçar advogados e clientes em realizar uma análise mais profunda das chances de reforma daquela decisão pela via recursal, sob pena de aumentar o prejuízo da parte (majoração dos honorários já fixados). Consequentemente, evitam-se recursos vazios com intenção meramente protelatória.

(2) O novo CPC também confere melhor tratamento à hipoteca judiciária. Uma decisão judicial que condene o réu ao pagamento de prestação em dinheiro, mesmo que pendente recurso (e aqui a principal novidade do novo texto legal), poderá ser utilizada para instituir hipoteca de bem imóvel do réu-devedor, conferindo ao autor da ação preferência quanto ao pagamento em relação a outros credores. A possibilidade de afetar o patrimônio do réu devedor já no momento de sentença poderá ser medida extremamente útil quando se buscar a posterior execução dos termos do julgado.

(3) O novo CPC ainda permite que a decisão judicial transitada em julgada seja levada a protesto. Hoje, o devedor contumaz muitas vezes se beneficia da estrutura segmentada e fracionada dos juízos estaduais para ocultar dívidas já reconhecidas perante o Judiciário. Com a permissão de protesto de decisões judiciais e a informatização já existente dos órgãos de proteção de crédito, a publicidade das condenações será maior. Essa maior visibilidade das dívidas reconhecidas em juízo poderá ser instrumento facilitador a retirar o devedor da sua zona de conforto, estimulando, por assim dizer, o cumprimento de decisões.

Agora, a novidade que ganha mais repercussão para fins de permitir à efetividade do processo judicial é o “convite” feito às partes para convencionarem os seus deveres processuais, inclusive sob a perspectiva das provas a serem produzidas em caso de disputa e litígio. Trata-se de medida interessante para as partes adequarem e dirigirem a produção de provas no processo de modo mais efetivo e voltado àquilo que realmente está em disputa.

O novo Código parte da premissa de distribuição dinâmica do ônus da prova, ou seja, da responsabilidade de produzir provas em juízo daquilo que se alega. Esse novo dispositivo é inovador à posição do velho Código, muito mais estanque quanto a esta responsabilidade das partes. Some-se a isso a conclusão de que o novo texto legal permite maior participação das partes na convenção dos procedimentos processuais, podendo, em alguns casos, inclusive, estipularem ônus e deveres processuais, até mesmo antes de instaurado o processo.

Em resumo, quando da negociação e contratação entre particulares, as partes poderão incluir nos instrumentos contratuais regras de procedimentos processuais, prevendo responsabilidades e deveres processuais. Poderão dispor, por exemplo, sobre quem ficará com o ônus de provar em juízo determinada situação atinente àquele contrato ou, ainda, incluir a previsão de quem será o auxiliar do juízo (perito, a título exemplificativo) a ser chamado em caso de disputa.

Essas cláusulas e convenções serão supervisionadas pelo Judiciário, que controlará a validade delas, recusando-as em casos de nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou manifesta situação de vulnerabilidade de uma das partes contratantes. De qualquer forma, iniciar o processo com responsabilidades processuais já dispostas e dirimidas entre as partes é medida inovadora que visa permitir maior efetividade e celeridade aos processos judiciais.

Claro que cabe a ressalva final. Trata-se de inovação legislativa ainda não tensionada pelo Poder Judiciário, tampouco pela cultura jurídica que envolve os operadores do direito.

*** Rene Toedter é advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2006), Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2007) e em Sociologia Política pela UFPR (2009). Também é Mestre em Direito do Estado pela UFPR (2010) e membro do Departamento Contencioso do escritório Andersen Ballão Advocacia desde 2007.

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