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Camilla Miyuki Oshima

Penhora de salário para pagamento de dívida não alimentar

Publicado em 01/09/2023

Autor:

Camilla Miyuki Oshima |

O processo judicial constitui o meio legal e legítimo para o credor buscar o pagamento de uma dívida ou o cumprimento de uma obrigação após o esgotamento das tentativas de composição amigável entre as partes de uma relação jurídica.

Ao ser demandado em uma ação judicial, o devedor é intimado para adimplir espontaneamente a obrigação de pagamento. Caso deixe de cumpri-la, não apresente qualquer modalidade de defesa ou quando a apresente, as suas razões são rejeitadas pelo juiz, o credor adquire a prerrogativa de iniciar e promover medidas judiciais que visem o recebimento do seu crédito, dentre elas, a penhora sobre bens e ativos do devedor.

A penhora, contudo, não é irrestrita, uma vez que o art. 833 do Código de Processo Civil apresenta o rol de bens que são impenhoráveis, tais como, os vencimentos, os soldos, os subsídios, os salários e as remunerações.

A impenhorabilidade das verbas de caráter alimentar reside no princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de que a expropriação não comprometa a subsistência digna do devedor e a de sua família, haja vista que a proteção do salário representa um direito fundamental. De outro lado, tem-se o direito do credor em receber a efetiva tutela jurisdicional para satisfazer o seu crédito.

De forma excepcional, as verbas de natureza salarial poderão ser constritas em duas situações elencadas pela lei (art. 833, §2º do Código de Processo Civil), quais sejam: (i) para o pagamento de prestação alimentícia, independentemente da sua origem e (ii) quando o devedor recebe importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais.

Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça recentemente enfrentou discussão acerca da possibilidade de se deferir a penhora sobre salário, vencimento ou remuneração do devedor para o pagamento de dívida não alimentar, independentemente do valor auferido pelo devedor, uma vez que o rendimento mensal igual ou superior a 50 (cinquenta) salários-mínimos constitui um critério legal avesso à realidade do país, implicando na sua ineficácia (Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1874222-DF).

Assim, diante da necessidade de se resguardar direitos tanto ao devedor quanto ao credor e que o art. 833 do Código de Processo Civil suprimiu a expressão “absolutamente” do rol de bens não penhoráveis, a Corte Superior entendeu que é possível relativizar a regra de impenhorabilidade das verbas salariais, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que seja assegurado o percentual mínimo e necessário ao seu sustento e o de sua família.

Segundo a teste firmada, portanto, a constrição da remuneração para o pagamento de dívida não alimentar é permitida, mas apenas em caráter excepcional. Isto, porque, estará condicionada à avaliação do impacto econômico da penhora sobre os recebíveis do devedor em cada situação, a fim de que o percentual não comprometa a sua subsistência digna e a de seus dependentes e quando restarem inviabilizados outros meios processuais que garantam a efetividade da execução. Eis as considerações do Ministro Relator João Otávio de Noronha neste sentido: “Importante salientar, porém, que essa relativização reveste-se de caráter excepcional e dela somente se deve lançar mão quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução e, repita-se, desde que avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado”.

A fundamentação exposta na decisão pondera direitos contrapostos das partes litigantes – mínimo existencial ao devedor e satisfação da execução ao credor – à luz dos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, no intuito de garantir a tutela jurisdicional mais eficaz em cada demanda e para que um direito não se sobreponha ao outro.

Do ponto de vista do credor, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça traz uma alternativa que confere maior efetividade à execução e ao cumprimento das ordens e decisões judiciais, tendo em vista a dificuldade recorrente dos credores em lograr êxito na satisfação do seu crédito, motivada, costumeiramente, pela blindagem de patrimônio e ocultação de bens por parte do devedor.

Quer dizer, estando ciente de que parte da sua renda mensal poderá constrita judicialmente, o devedor tende a se dispor a cumprir a obrigação e a não obstar a efetividade das medidas de expropriação de bens. Ressalta-se apenas, conforme exposto no voto, que se trata de meio coercitivo subsidiário, o qual somente poderá ser deferido pelo juiz quando outras diligências de busca patrimonial resultarem infrutíferas.

Na perspectiva do devedor, necessário que o deferimento desta medida seja apreciado com cautela e segundo as particularidades do caso concreto. Isto, porque, a discussão relativa à penhora de verbas salariais esbarra no princípio da dignidade da pessoa humana, do qual se deduz que a constrição não poderá se sobrepor aos direitos sociais intrínsecos à subsistência digna e ao mínimo existencial do devedor, como o direito à moradia, à saúde, à alimentação e à educação.

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