Justiça reconhece direito de redução de jornada para pais que cuidam de filhos com deficiência - Andersen Ballão Advocacia

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Justiça reconhece direito de redução de jornada para pais que cuidam de filhos com deficiência

Publicado em 02/10/2025

Empresas devem zelar pela adequação da rotina do trabalhador

Conciliar responsabilidades profissionais com os cuidados exigidos por filhos com deficiência é um desafio que vai muito além da rotina. As empresas devem compreender a realidade do trabalhador, adequando-se à rotina de atividades exigidas deste. O tema vem ganhando destaque em diversos tribunais do país, o que reforça o papel das normas protetivas da criança e do adolescente e consolida a importância da dignidade da pessoa humana como fundamento para decisões judiciais.

Um caso recentemente julgado pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), reconheceu o direito de uma técnica de enfermagem de reduzir sua jornada em 50%, sem prejuízo salarial, para cuidar do filho de 16 anos com paralisia cerebral, surdez e diversos déficits cognitivos e motores. Embora a empresa pública federal em que trabalha tenha argumentado que a trabalhadora era celetista e que, portanto, não havia previsão legal expressa, a relatora do caso lembrou que a jurisprudência consolidada do TST admite a aplicação analógica da Lei 8.112/90, que garante o benefício a servidores públicos federais.

“O Judiciário tem compreendido que a ausência de norma específica na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não pode servir de obstáculo quando o direito fundamental à proteção da criança e da pessoa com deficiência está em jogo”, explica Ana Claudia Cericatto, advogada especialista em Direito do Trabalho da Andersen Ballão Advocacia.

Casos semelhantes têm surgido em todo o país. Em Cataguases (MG), um soldador obteve judicialmente o direito de reduzir sua jornada uma vez por semana, sem diminuição de salário, para levar a filha de quatro anos, diagnosticada com transtorno do espectro autista, às sessões de fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional. A juíza destacou que não havia prova de prejuízo à empresa e que a necessidade de acompanhamento paterno era essencial ao desenvolvimento da criança. A decisão ainda estabeleceu multa de R$ 1 mil por dia em caso de descumprimento pela empresa, que chegou a aplicar advertências ao trabalhador por atrasos em razão do acompanhamento da filha às terapias.

Outro caso relevante ocorreu em Anápolis (GO), onde uma bancária, mãe de um filho com transtorno do espectro autista e epilepsia de difícil controle, conseguiu na Justiça a redução de 50% da jornada, também sem perda salarial. De acordo com o juiz, a criança necessitava de 26 horas semanais de terapias e havia o perigo de dano caso a medida não fosse concedida. Em sua decisão, ele invocou a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/15), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e ainda a Lei 14.457/22, que flexibiliza jornadas para pais com filhos com deficiência, enfatizando que “a família é o suporte principal da pessoa com deficiência, em especial da criança, em razão de sua dupla vulnerabilidade”.

Precedentes se baseiam na Constituição Federal e no Estatuto da Pessoa com Deficiência

O Supremo Tribunal Federal (STF),  por meio do Tema 1.097, já pacificou o direito à redução da jornada sem corte salarial para servidores estaduais e municipais, reforçado pela Lei 13.370/16. No setor privado, a ausência de previsão expressa ainda gera controvérsias, mas o Projeto de Lei 124/23 tramita no Congresso e pretende garantir redução mínima de duas horas diárias para trabalhadores que tenham vínculo de cuidado indispensável com pessoas com deficiência, sem compensação e sem prejuízo da remuneração.

Do ponto de vista legal, a Constituição Federal garante, em seus artigos 5º, 6º e 7º, a proteção da família, a dignidade da pessoa humana e a igualdade social. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) reforça a inclusão e assegura condições de participação plena e efetiva das pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades. Já a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status constitucional, estabelece parâmetros internacionais para a proteção da criança e do adolescente com deficiência.

Na visão da especialista da ABA, os julgados caminham no sentido de expandir esses direitos. “O que vemos nas decisões recentes é a aplicação do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, combinado com a valorização da família como núcleo de apoio e cuidado prevalecendo sobre a liberdade econômica. A Justiça tem entendido que a conciliação entre vida profissional e as responsabilidades familiares é um dever compartilhado por toda a sociedade, inclusive pelas empresas”, afirma Ana Claudia.

Empresas devem se posicionar de forma inclusiva e humana

Com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018), assim como a proteção da vida e a privacidade do empregado, direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal, o empregador não pode solicitar informações sobre a saúde do empregado, tampouco, da saúde de filho ou familiar, seja na admissão ou durante o contrato de trabalho. A solicitação infringe as normas da legislação e a empresa poderá sofrer com futuras indenizações por danos morais.

É importante ressaltar que ainda não existe legislação que defina os limites e as responsabilidades que devem ser impostos no caso de flexibilização da jornada de pais ou responsáveis. O assunto ainda não é tratado nos instrumentos coletivos competentes, sendo que cada pedido ainda depende de análise individual, mediante apresentação de laudos médicos, relatórios de profissionais de saúde e comprovação da necessidade de acompanhamento frequente.

É nesse cenário de consolidação jurisprudencial, aliado às mudanças legislativas, que se desenha o futuro das relações de trabalho no Brasil para famílias com filhos com deficiência.

“As recentes decisões a respeito do tema demostram que a melhor opção para as partes é a negociação, sendo esta a forma mais assertiva e recomendada para evitar riscos à relação de emprego. Ainda não se pode deixar de registrar que o  beneficio não deve ser banalizado, e que as condições específicas da redução da jornada de trabalho podem variar dependendo do contexto legal e das políticas da empresa”, conclui Ana Claudia.

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