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Publicado em 26 de março de 2014

A entrada em vigor da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias

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Em abril deste ano entra em vigor no ordenamento jurídico brasileiro a Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias – “CVIM” ou “CISG”. É, portanto, a hora de perguntar-se objetivamente a que alterações estarão submetidos os contratantes brasileiros ao firmarem contratos internacionais de compra e venda/fornecimento.

Atualmente, isto é, antes da vigência da convenção, ao celebrarem contrato de compra e venda com uma parte sediada em outro país, o contratante brasileiro e esta última elegem a lei aplicável ao contrato. Via de regra, acorda-se que o contrato será regido pela legislação do Estado de uma das partes. Não raro esse é um elemento do contrato que gera discussões entre estas partes que, naturalmente, solicitam que seja aplicada a “sua lei” para terem maior segurança e previsibilidade quanto aos seus direitos, deveres e responsabilidades na relação. Ora, é claro que contratantes brasileiros não querem submeter-se a quaisquer legislações que não a sua própria, e o mesmo vale para os demais players do comércio internacional. A lei aplicável ao contrato, portanto, sempre foi um aspecto contratual em que uma das partes acaba por ceder.

Apenas quando não formalizam em documento escrito a relação entre as partes, evita-se a discussão quanto à lei aplicável ao contrato. Nestes casos, esta é determinada pelas regras de direito internacional privado, que apontam para a lei que resolverá o conflito.

A Convenção foi elaborada justamente com o ânimo de resolver conflitos desta natureza. Como o próprio nome adianta, ela consiste em regramento específico para relações internacionais de compra e venda, de modo que as suas disposições atentam para as especificidades do fornecimento transfronteiriço. Assim, a CISG regula detalhadamente: (i) a formação do contrato e como ele deve ser interpretado; (ii) as obrigações específicas das partes no que diz respeito à entrega, conformidade das mercadorias, transferência do risco e pagamento do preço; e (iii) as ações de uma parte contra a outra em caso de violação do contrato.

Neste sentido, tem-se que o principal objetivo da Convenção é promover o comércio internacional, estabelecendo obrigações e responsabilidades equilibradas e razoáveis para ambos os contratantes, independentemente da posição que adotarem na relação (comprador/vendedor) e do Estado em que estiverem sediados. Adicionalmente, ela pretende calcar as relações internacionais na autonomia da vontade dos contratantes, que têm ampla liberdade para regularem no contrato as suas obrigações, e na boa-fé, que deve ser por eles observada até a conclusão da relação.

Em suma, são estes os estímulos aos contratantes para que apliquem a Convenção às suas relações. Com efeito, referida decisão pode dar-se indiretamente, como ocorrerá quando as partes elegerem a legislação brasileira como lei aplicável ao contrato.

A partir de 1° de abril, a eleição da lei brasileira para reger um contrato de compra e venda internacional implicará a aplicação da Convenção, que será incorporada ao ordenamento jurídico e terá status de lei federal. Por consistir em lei específica para regular relações de comércio internacional, ela deverá se sobrepor ao Código Civil brasileiro, que regulará apenas relações domésticas e relações internacionais excluídas da aplicação da convenção.

Assim, para que a Convenção se aplique ao contrato bastará a escolha da lei brasileira pelas partes contratantes (considerando-se que a outra parte do contrato estará também sediada em um Estado que aderiu à Convenção) ou a aplicação da lei brasileira em decorrência das regras de direito internacional privado.

Por outro lado, na hipótese de terem interesse em excluir a aplicação da Convenção, as partes deverão lançar mão do opt out, isto é, deverão dispor expressamente que o contrato será regido por determinada lei e que, a despeito de atrair a aplicação da CISG, não deverá ser regido por ela. Se não o fizerem de modo expresso, presumir-se-á aplicável a Convenção ao contrato.

Em sentido contrário, observa-se que a tendência é a aceitação pelas partes do comércio internacional da aplicação da Convenção. Os 79 Estados Parte da CISG respondiam, conforme dados de 2009, por mais de 90% do comércio mundial. No caso específico do Brasil, mais da metade das suas exportações (50,1%) destinavam-se a Estados Parte da Convenção, no caso, China, EUA, Argentina, Países Baixos, Alemanha, Japão, Venezuela, Bélgica e Itália. O mesmo ocorre no sentido inverso: mais da metade das importações brasileiras (57,9%) eram provenientes dos EUA, China, Argentina, Alemanha, Japão, Itália, França e México, signatários da CISG.

Transpondo estes números para termos de corrente comercial, tem-se que 75% do comércio internacional brasileiro se dá com Estados Parte da Convenção . A análise destes números permite depreender a ampla aplicação que a Convenção terá aos contratos firmados com contratantes brasileiros. Apenas para reforçar a tendência de adesão à Convenção, destaca-se que os demais membros do Mercosul são todos dela signatários.

Cumpre agora aos juristas brasileiros e, sobretudo, aos participantes do comércio internacional familiarizar-se com as novas regras do jogo, tendo em mente que estas buscam estabelecer obrigações proporcionais às partes e têm como origem os usos e costumes do comércio internacional, interpretados conforme os melhores princípios dos sistemas jurídicos romano-germânico e anglo-saxão. O Brasil adere e passa a aplicar uma legislação que vem sendo amadurecida e interpretada há aproximadamente 30 anos, com todas as vantagens que uma herança desse gênero pode trazer.

NOTAS:
1. Decreto Legislativo n° 538 , de 18 de outubro de 2012.
2. Nota técnica n° 01/2009 CAMEX – SECEX, datada de 08 de dezembro de 2009 e apresentada junto à Mensagem n° 636/2010 ao Congresso Nacional, Projeto de Decreto Legislativo 222-A.

*** Natália Villas Bôas Zanelatto é advogada, graduada em Direito pela UFPR e especializada em Direito Empresarial Internacional pela Universidade Panthéon-Assas (Paris II). Ela integra a equipe do escritório Andersen Ballão Advocacia desde 2007.