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Marcelo Diniz Barbosa Amauri da Costa Melo Filho

Atual estágio da Reforma Tributária e os temas que potencialmente serão aprovados

Publicado em 30/11/2023

Autor:

Marcelo Diniz Barbosa | Amauri da Costa Melo Filho |

Na segunda semana de novembro, foi aprovada no Senado a redação substitutiva da Proposta de Emenda Constitucional – PEC n.º 45/2019, conhecida popularmente como a Reforma Tributária. Após a aprovação do texto pela Câmara em julho, a proposta seguiu para a análise do relator no Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM), que incorporou uma série de mudanças sobre o texto original. Ainda na Câmara alta, passou pela aprovação na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ e em plenário foi aprovada com 53 votos favoráveis e 24 contrários.

Considerando as modificações realizadas, a matéria retornará à Câmara dos Deputados para a tentativa de aprovação final ainda em 2023. Segundo noticiado, o relator da proposta não pretende “fatiar” o texto para a aprovação, ou seja, tudo indica que a votação ocorrerá sobre a íntegra do texto aprovado no Senado.

Nesse momento, a reforma abrange apenas a tributação sobre o consumo de bens e serviços, a qual gera uma das maiores distorções no sistema tributário atual: a regressividade. Os tributos incidentes sobre o consumo estão inseridos no preço de alimentos básicos que são consumidos por todos os cidadãos, como o arroz e o feijão, por exemplo. Porém, proporcionalmente, o orçamento das classes menos favorecidas é mais impactado por esses tributos.

Assim, a atualização da legislação que se pretende nesse estágio visa a correção desse desvio para o crescimento sustentável da economia nacional, transparência e redução da desigualdade social.

Abaixo elencamos alguns dos principais pontos da reforma que foram inicialmente aprovados na Câmara e não sofreram alterações após a análise do Senado. São trechos que tendem a ser aprovados em razão da desnecessidade de rediscussão. Trata-se de um recorte das iniciativas que provavelmente estarão presentes no texto final que irá para sanção ou veto presidencial.

 

Modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA)

– A reforma propõe a extinção de 5 tributos (ICMS, PIS, COFINS, IPI e ISS) e a criação de 3 novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência federal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, e o Imposto Seletivo (IS) de competência federal.

 

IBS e CBS

– A apuração será unificada, com a incidência desses tributos ocorrendo no destino da operação e “por fora”, isto é, sem considerar o valor dos próprios tributos em suas bases de cálculo.

– Os tributos seguirão as mesmas regras em relação aos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes diferenciados ou favorecidos de tributação, regras de não cumulatividade e creditamento. Ambos serão instituídos por uma única lei complementar que terá vigência em todo o território nacional.

– Cada ente federativo determinará sua alíquota, a ser estabelecida por lei específica e deverá ser uniforme para todas as operações, em geral.

– Os valores devidos não serão incluídos em suas respectivas bases de cálculo. Além disso, a CBS não integrará as bases de cálculo do IS, ICMS, ISS, IBS, PIS e COFINS.

– As alíquotas de referência do IBS serão estabelecidas por resolução do Senado Federal e aplicadas na ausência de uma lei específica de cada ente. O IBS será calculado pela soma das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação.

– As imunidades para entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes serão mantidas.

– Será implementado um sistema de Cashback para restituição de parte dos valores do IBS e da CBS a pessoas físicas de baixa renda.

– Será criada a Cesta Básica Nacional de Alimentos, com itens definidos por lei complementar específica, e esses produtos terão alíquota zero.

 

Período de transição

– Em 2026, o IBS e a CBS passarão a ser cobrados, sob a alíquota de 0,1% e 0,9%, respectivamente, compensáveis com os valores devidos do PIS e da COFINS.

– Em 2027, o IS passará a ser cobrado. No mesmo ano, o PIS, a COFINS e o IPI serão extintos, desde que a CBS e a CIDE sobre operações da Zona Franca de Manaus tenham sido implementados.

– De 2027 a 2028, o IBS será cobrado sob as alíquotas estaduais e municipais de 0,05% e a CBS será reduzida em 0,1%.

– De 2029 a 2023, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas proporcionalmente.

– Em 2033, início da adoção plena da nova sistemática.

 

Comitê Gestor do IBS

– Será criado o Comitê Gestor do IBS, responsável pela elaboração de um regulamento único, visando à uniformização e interpretação da legislação do imposto. O comitê contará com membros dos entes federados, regidos por um regramento próprio.

– As atividades de fiscalização, lançamento, cobrança e representação administrativa ou judicial do imposto serão conduzidas pelas administrações tributárias dos entes federados, cabendo ao Comitê a coordenação.

 

Imposto Seletivo – IS

– Criação do imposto, incidente sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a ser disciplinado em lei complementar.

– O IS terá natureza extrafiscal, mas irá compor as bases de cálculo do IBS e do CBS e não incidirá sobre as exportações.

 

Incentivos e benefícios fiscais

– Os regimes especiais de tratamento tributário para o ato cooperado, microempresas e empresas de pequeno porte serão mantidos. Adicionalmente, será estabelecido um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio verde.

– A concessão de incentivos regionais com a isenção, redução ou diferimento de tributos federais considerará critérios de sustentabilidade ambiental e redução da emissão de carbono.

– No setor automotivo, está prevista a concessão de crédito presumido da CBS para indústrias nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, assim como nas áreas de atuação da Sudene e Sudam. Isso será condicionado ao atendimento de requisitos, como a produção de veículos elétricos ou híbridos que utilizem biocombustíveis, entre outras condições.

– O IBS e a CBS serão considerados no diferencial competitivo da Zona Franca de Manaus e das Áreas de Livre Comércio, conforme estabelecido em suas leis instituidoras.

 

Demais tributos

– O ITCMD será progressivo. O IPVA incidirá sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, exceto algumas exceções, com alíquotas diferenciadas considerando tipo, valor, utilização e impacto ambiental. Quanto ao IPTU, a base de cálculo poderá ser atualizada por Decreto do Poder Executivo municipal, seguindo critérios estabelecidos em lei.

– Possibilidade de criação de Contribuição para custeio e serviço da iluminação pública e sistemas de monitoramento de espaços públicos pelos Municípios e Distrito Federal.

– Os Estados e o Distrito Federal também poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de benefícios fiscais do ICMS.

 

Setores beneficiados com redução das alíquotas do IBS e da CBS   

– Redução de 100%: produtos hortícolas, frutas e ovos, dispositivos médicos adquiridos pela administração direta, autarquias e fundações públicas, serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação – ICT sem fins lucrativos, automóveis de passageiros quando adquiridos por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista ou por motoristas profissionais, que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi).

– Redução de 100% somente para a CBS: serviços de educação de ensino superior abrangidos pelo ProUni.

– Redução de 60%: serviços de educação, serviços de saúde, dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência, medicamentos, produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviários, metroviários de caráter urbano, produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda, produtos e insumos agropecuários e aquícolas, produções artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional e bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética.

– Redução de 30%: prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional.

 

Em resumo, dentre os destaques apontados, a reforma altera positivamente o ordenamento quando incluiu dispositivos que pretendem encerrar com os temas tributários mais controversos no judiciário nos últimos anos (tributo na base de tributo, base ampla de creditamento, apuração unificada, incidência por fora, desoneração de exportações etc.). Ademais, com a simplificação dos tributos sobre o consumo, espera-se um aprimoramento das regras relativas ao envio de obrigações acessórias que demandam um custo expressivo pelas empresas.

Apesar dos avanços da PEC n.º 45/2019, os dispositivos serão consagrados no texto constitucional e eventuais ajustes e correções deverão se submeter aos mesmos prazos e quóruns previstos para propostas de emenda constitucional. Aliás, a reforma prevê uma série de disposições que também serão objeto de regulamentação por lei complementar, sendo possível que a reforma dependa bastante do cenário político entre o Planalto e o Congresso para que os avanços saiam efetivamente do papel e produzam seus efeitos na vida dos brasileiros.

Parece-nos prematuro afirmar que a reforma aprovada irá reduzir as discussões judiciais e administrativas sobre os tributos, dada a extensão e complexidade dos dispositivos e o ineditismo de diversas normas. O Poder Judiciário, possivelmente será acionado para uma melhor interpretação e compreensão das novas regras. Não há uma definição em relação às alíquotas aplicáveis. O congresso também optou por reservar esse tema para uma lei complementar específica. Estudos iniciais do Ministério da Fazenda preveem uma alíquota entre 25,9% e 27,5%. Nesse caso, para alguns segmentos do mercado, como o setor de prestação de serviços, há uma projeção de relevante acréscimo da carga tributária.

Ainda, nos termos da redação atual da reforma, a participação de cada Estado no total arrecadado pelo IBS dependerá da receita média de cada ente federativo com o ICMS entre 2024 e 2028. Com isso, quanto maior a arrecadação de um Estado com o imposto nesse período, maior será o fluxo de recursos do IBS a ele destinado até 2078. Em outras palavras, há um risco de que os Estados elevem as alíquotas atuais para que aumentem a sua arrecadação nos próximos 5 anos.

Importante destacar que, em caso de promulgação da reforma, o Poder Executivo terá o prazo de 90 dias para envio de um projeto de lei que reforme a tributação da renda e a tributação sobre a folha de salários. A reforma da legislação dessas duas áreas é importante para uma correção completa do sistema e promoção da justiça social.

Diante desse desafiador cenário, é recomendável buscar assessoramento jurídico para monitorar e avaliar as consequências imediatas da Reforma Tributária sobre o consumo nas operações das empresas.

 

* Marcelo Diniz Barbosa é Coordenador do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia. Amauri da Costa Melo Filho é advogado do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.

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