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Ana Clara Franke Rodrigues

Tributação em foco: julgamentos importantes de 2023

Publicado em 21/12/2023

Autor:

Ana Clara Franke Rodrigues |

No contexto tributário agitado de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacaram-se, influenciando diretamente as estratégias financeiras do governo federal e das empresas. As decisões judiciais acabaram se tornando aliadas estratégicas dos governantes, que buscam atingir as metas de resultado primário e fortalecer a arrecadação, ainda que o preço seja a relativização dos comandos constitucionais visando atender aos interesses políticos. Nesse cenário é que este artigo explorará as principais decisões do STF e STJ no âmbito tributário em 2023.

Entre as decisões favoráveis aos contribuintes, destaca-se a inconstitucionalidade da multa isolada sobre compensação não homologada (Tema 736/STF) e o afastamento da incidência de ICMS sobre transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte a partir de 2024 (ADC 49/STF).

Quanto às subvenções, a vitória dos contribuintes no Tema 1.182/STJ, reconhecendo tanto a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, em geral registrados contabilmente como reserva de lucros, como a desnecessidade de demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos para que a exclusão ocorra, foi praticamente neutralizada pelo governo com a edição da MP n.º 1.185/2023, convertida em lei no último dia 20.12.2023. Se sancionada pelo presidente da república, a MP sujeitará as subvenções de todos os entes federados às incidências do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins a partir de 2024, equiparando assim os incentivos fiscais de ICMS às subvenções para investimento. Como consolo, foi criado um crédito fiscal sujeito a requisitos específicos.

Bastante esperado também foi o julgamento que estabeleceu os limites da coisa julgada em matéria tributária (Temas 881 e 885/STF), finalizado de forma desfavorável aos contribuintes. Ficou definido que um contribuinte que obteve decisão judicial favorável com trânsito em julgado, permitindo o não pagamento de um tributo, perde automaticamente seu direito diante de um novo entendimento, respeitando a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo, sem a necessidade de ajuizamento de ação rescisória pela União.

Dentre os demais julgados desfavoráveis aos contribuintes, destacam-se: (i) o Tema 372/STF, que definiu que as receitas brutas operacionais de instituições financeiras integram a base de cálculo de PIS/COFINS; (ii) o Tema 390/STF, que definiu como processual o prazo de um ano para a prescrição tributária de cinco anos pelo art. 40 da LEF; (iii) o Tema 1.164/STJ, reconhecendo a incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o auxílio alimentação pago em pecúnia; e (iv) o REsp 1996660, permitindo a liquidação do seguro-garantia antes do trânsito em julgado.

Já a maior parte das teses filhotes do Tema 69, que definiu que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da COFINS (tese do século), permanece pendente de julgamento. São elas: a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS (Tema 118/STF), a inclusão do PIS e da COFINS e suas próprias bases (Tema 1.067/STF) e a inclusão do PIS e da COFINS na base de cálculo da CPRB (Tema 1.186/STF).

A única questão correlata julgada até o momento foi o Tema 1.125, definindo que o ICMS-ST não compõe a base de cálculo do PIS e COFINS devidos pelo contribuinte substituído. Esse julgamento favorável aos contribuintes, embora realizado pelo STJ, alimenta a expectativa do meio empresarial quanto ao julgamento das demais teses no próximo ano.

Os contribuintes ainda aguardam ansiosos pelo julgamento de dois temas, cujo desfecho provável ocorrerá em 2024. O primeiro, Tema 914/STF, discutirá a constitucionalidade da CIDE sobre as remessas ao exterior. Esta CIDE, inicialmente voltada para pagamentos de prestação de serviços e royalties com transferência de tecnologia, assim considerada a exploração de patentes ou de uso de marcas e prestações de assistência técnica, passou a abranger contratos sem transferência de tecnologia a beneficiários no exterior.

O segundo, Tema 1.079, está sendo julgado atualmente sob a sistemática dos recursos repetitivos pelo STJ e definirá se as contribuições de terceiros podem ser calculadas sobre a folha de pagamento ou devem ter a base limitada a vinte salários-mínimos. Até o momento, são dois votos desfavoráveis à tese dos contribuintes, um deles resguardando aqueles que ingressaram com ação judicial ou pedido administrativo, e obtiveram decisões favoráveis.

Apesar de divulgado como sendo bastante promissor, este tema exige cautela. Isto poque não se pode desconsiderar que as contribuições em questão custeiam o Sistema S, de grande relevância ao país. Além disso, as decisões do STJ (e as decisões mais recentes dos Tribunais Regionais) não esclarecem se a limitação da base de cálculo seria de vinte salários por segurado ou se levaria em consideração a folha de pagamentos da empresa como um todo. Efetuando uma interpretação sistemática da legislação de regência, é possível que o entendimento mais restritivo prevaleça, ou seja, a limitação se dará por segurado.

Este artigo propôs uma análise retrospectiva das principais decisões tributárias de 2023 e uma visão prospectiva para 2024. Diante do cenário dinâmico, especialmente após a aprovação histórica da Reforma Tributária, é fundamental que os líderes empresariais compreendam não apenas o que foi decidido, mas também como elas impactarão o futuro da tributação no Brasil.

 

  • Ana Clara Franke Rodrigues é advogada do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.

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