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O agente de carga e o dever de informação ao fisco

Publicado em 08/01/2020

A atividade do agente de carga é regulada pela Instrução Normativa nº 800/2007 da Receita Federal. Também conhecidos como “armadores sem navio” exercem a relevante atividade de transporte fracionado de cargas em containers, operações door to door, dentre outros serviços que incrementam a logística de importadores e exportadores.

Recentemente, a Receita Federal intensificou a fiscalização sobre os agentes de carga no que diz respeito ao registro de operações de importação e exportação no Siscomex “Carga” e “Mercante” (art. 77 da Lei nº 10.833/2003). A falha na prestação de informações para o controle de entrada e saída de embarcações e de movimentação de cargas e unidades de carga em portos alfandegados sujeita o agente de carga a multa de R$ 5.000 para cada informação em desacordo com a legislação de regência.

As multas normalmente decorrem de situações objetivas, tais como, o registro extemporâneo de informações, preenchimento de dados incorretos no Siscomex Carga, dentre outras que normalmente descuram o elemento subjetivo e a verificação de culpa por parte do agente de carga.

No entanto, há situações em que a atracação do navio é antecipada por algumas variáveis, como por exemplo marés favoráveis ou mudança do line-up no Porto, o que diminui o prazo para o registro de operações no Siscomex. Há situações ainda em que o agente de carga depende de informações provenientes do exterior para operar o sistema e muitas vezes os dados chegam de última hora. Em outras, os atrasos ocorrem pela demora no envio da documentação do NVOCC na origem, do fornecimento do CE Master ou Sub-master pelo agente marítimo ou pelo co-loader, falhas no próprio SISCARGA, e assim por diante. Tudo isso retira a culpa do particular.

Não obstante a autoridade fiscal fale em responsabilidade objetiva na prestação de informações (art. 136 CTN), este tipo de multa aduaneira parece ser autônoma e não possuir a natureza jurídica de tributo. Mesmo que tivesse natureza tributária deveria ser interpretada em consonância com o art. 112 do CTN, ou seja, da maneira mais favorável ao particular em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato, à natureza ou às circunstâncias materiais do fato ou à natureza ou extensão dos seus efeitos.

No mesmo sentido, a retificação de dados no sistema, nem de longe, pode ser considerado como indício de fraude ou intenção de causar dano ao erário pelos agentes de carga*.

Sem a intenção do particular em fraudar o Fisco, tem aplicação o disposto no art. 736 do Decreto nº 6.759, que trata da relevação de penalidades. O dispositivo aponta que poderão ser relevadas penalidades que não resultem em ausência ou insuficiência de recolhimento de tributos, quando o contribuinte não tenha agido de má-fé e nos casos de erro escusável em matéria de fato, exatamente como ocorre no caso dos agentes de carga, quanto às informações inseridas no Siscomex Carga.

Acrescente-se que a retificação apresentada antes de qualquer procedimento fiscal se equipara a denúncia espontânea, observado os seus efeitos jurídicos, podendo se aplicar por analogia (art. 108, I, e seu parágrafo 1º, CTN) o preceito do art.138, do CTN, especialmente seu parágrafo único.

Por fim, já há entendimento consolidado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região de que mera irregularidade formal não caracteriza ilícito aduaneiro, já que se presume a boa-fé do particular. Trata-se de temperar os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade e ampla defesa com os procedimentos adotados pela autoridade aduaneira em face dos agentes de cargas, notadamente em situações em que lhes sejam exigidos o pagamento de multas antecipadamente para dar continuidade à importação ou exportação.

* Exemplificativamente, os erros de preenchimento de B/L sempre existiram e a autoridade aduaneira por sua vez acatava a carta de correção espontaneamente apresentada, sem que houvesse qualquer imposição de penalidade. Agora, com a entrada em vigor da IN 800/2007, a carta de correção, solicitação de retificação nos termos do art. 24 do aludido diploma simplesmente passou a ser desconsiderada.

*** André Luiz Bettega D’àvilla é advogado e sócio de Direito Contencioso da Andersen Ballão Advocacia. É Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2006) e Master of Arts pela The Fletcher School of Law and Diplomacy at Tufts University (2012).

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