Reflexos jurídicos nos contratos de agência e de representação comercial
Publicado em 02/04/2024
A compreensão da estrutura econômica do mercado resulta das interações entre os agentes econômicos e as transações efetuadas. Essa afirmativa torna-se ainda mais plausível ao considerarmos a contínua necessidade das pessoas em alinhar seus interesses, podendo adquirir insumos, distribuir produtos, associar-se ou desenvolver novas tecnologias. Essas necessidades se formalizam por meio dos contratos. Assim, caberá ao ambiente institucional apresentar as regras formais para conduzir as condutas dos contratantes, trazendo previsibilidade e segurança para que a operação pretendida se concretize. Com efeito, ao organizar esses contratos, torna-se evidente que cada um adquire características distintas, demandando, por conseguinte, uma abordagem jurídica específica. Um exemplo comum é a frequente ocorrência de questionamentos sobre os contratos de representação comercial e de agência, gerando dúvidas quanto à sua natureza e à escolha apropriada, especialmente ao considerar as circunstâncias específicas previstas na legislação brasileira. O primeiro tipo está previsto na lei específica n. 4.886/65, que regula as atividades de representantes comerciais autônomos. De acordo com o artigo inaugural da referida lei, “exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”. Por sua vez, o segundo está previsto no Código Civil de 2002 em seus arts. 710 a 721. Neste diploma, indica-se que “pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada” (art. 710).
Diante das redações similares, a doutrina e os precedentes se debruçam em indicar a (in)compatilidade entre os dois tipos contratuais. Vale recordar que a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro estabelece que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2º, § 2º), o que, em certa medida, tende a agitar ainda mais as discussões sobre o tema. Os elementos gerais e distintivos entre o representante comercial e o agente foram destacados por Haroldo Malheiros Verçosa Venosa, que diz que em primeiro lugar, o representante comercial detém poderes mais abrangentes, elevando-o além do papel de mero agente; enquanto o agente prepara o negócio em prol do agenciado, não sendo estritamente responsável por sua conclusão, o representante, por sua vez, tem a obrigação de finalizá-lo. Em segundo lugar, o representante comercial será sempre considerado um comerciante, devidamente registrado nos CORE’s, ao passo que ao agente não é exigida essa qualificação, uma vez que sua natureza pode ser civil. Por fim, em terceiro lugar, o poder de representação do representante comercial abrange todos os atos jurídicos necessários para realizar negócios em favor da representada, incluindo a possibilidade de ter a posse das mercadorias e cobrar seu preço. Enquanto isso, a função do agente se limita aos atos preparatórios designados a ele, com sua atividade estendendo-se até a conclusão do negócio, exclusive.
Por sua vez, o representante tem uma atuação mais restrita aos negócios mercantis atuando em nome do representado e, consequentemente, poderá fechar os negócios avençados com os interessados. Este ponto deve ser observado: ao contrário da agência, que pode ter natureza civil, a representação terá seu objeto exclusivamente comercial.
Sob uma perspectiva hermenêutica, não justificaria a opção do legislador por regulamentar um contrato já previamente estabelecido em uma lei específica. Significa dizer, se a agência e a representação comercial fossem de fato idênticas, seria razoável esperar que o Código Civil revogasse a Lei n. 4.886/65, evitando assim as discussões e desgaste da doutrina neste sentido.
Ainda que visem a mesma atividade de intermediação de negócios, existem obrigações, ônus e consequências que conduzem à distinção entre os institutos.
A hipótese de encerramento da relação contratual também apresenta diferenças significativas, com importantes consequências econômicas. Por força do art. 27, alínea “j”, da Lei n. 4.886/65, caso a dispensa ocorra sem justo motivo, o representante terá direito a indenização devida, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 do total da remuneração auferida durante o tempo da representação. Caso o contrato tenha sido ajustado por tempo indeterminado e vigente por mais de 6 meses, a denúncia sem justa causa, deverá ocorrer junto a concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de 30 dias, ou ao pagamento de importância igual a 1/3 das comissões auferidas pelo representante, nos 3 meses anteriores (art. 24).
No Código Civil, por sua vez, se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial (arts. 717 e 718), o que não incluiria o regramento de 1/12 exigido na representação comercial. Distinguindo-se do prazo indicado pela representação comercial, o prazo de aviso prévio será 90 dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente (art. 720).
Por fim, o aspecto tributário também não deve ser negligenciado. A tributação do ISS para represente comercial e para agente é diferente dependendo de munícipio para munícipio. Por exemplo, no município de Porto Alegre/RS, a alíquota de ISS para representante comercial é de 2% e para agente é de 3%. Em Curitiba/PR, por outro lado, a alíquota é a mesma de 2,5%.
Diante das diversas interpretações passíveis de serem atribuídas aos contratos ora em análise, destaca-se a crucial importância de uma elaboração precisa e detalhada desses documentos. Um contrato bem redigido não apenas serve como um registro claro da vontade das partes envolvidas, mas também desempenha um papel fundamental na delimitação de sua aplicação legal.
Dessa forma, as partes e os operadores dos contratos devem se atentar à elaboração dos termos contratuais, de modo a refletir adequadamente a racionalidade econômico-social da operação pretendida. Tal medida visa respeitar a autonomia da vontade dos agentes e a função social do contrato, prevenindo ambiguidades interpretativas, litígios inócuos, o que permite o fortalecimento da segurança jurídica e a execução eficaz dos compromissos acordados.
*Aron Fraiz é advogado do Departamento Corporativo da Andersen Ballao Advocacia.
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